Eu não sei exatamente o motivo de pessoas compararem essa série com Euphoria, já que ela tem um tema muito mais bizarro, focado em um tipo de narrativa completamente diferente. O meu chute é que são duas séries que se destacaram do nada e as protagonistas são meninas. Agora de resto, realmente nada a ver... Foi uma série que fui assistir exatamente pela comparação, e acabei me deparando com algo muito bom também, mas feita pra um público bem diferente.
A história é ambientada em duas épocas, 1996 e 2021, apresentando um time de futebol feminino de escola chamado de Jaquetas Amarelas. Elas vão participar de um campeonato nacional muito importante pra suas carreiras, mas o avião cai no meio do nada. Isso faz com que elas façam tudo para sobreviver, indo desde comer vermes até finalmente se submeter ao canibalismo. Isso se torna uma lenda urbana quando são resgatadas e 25 anos depois ainda mantém o juramento, mas então alguém mostra saber e passa a atormentar as sobreviventes.
Essa é uma série que pode acabar chocando muita gente por abordar o tema de canibalismo, e apresentar toda uma evolução de personagens para que chegassem ao extremo. Essa ideia de evolução pode ser algo torturante para aqueles que sentem muita repulsa à coisa, especialmente porque as meninas já não chegam e começam a se devorar, mas é algo que dá pra lentamente ver a evolução de mentalidade.
Inclusive uma das comparações presentes é com o clássico O Senhor das Moscas, lançado em 1954 e que apresenta um grupo de meninos de até 13 anos que são os únicos sobreviventes de uma queda de avião durante a segunda guerra mundial. No começo são super inocentes, mas à medida que a fome vem e a visão de que não há adultos, nem regras, a crueldade começa até se tornar algo visceral e horrível, gerando guerra por domínio de território e liderança, além de tortura psicológica e física.
E aqui temos algo semelhante, com as personagens primeiro pensando apenas no resgate, já que seria relativamente fácil as encontrarem, baseado na rota e no rastreador presente. Mas na medida em que os dias passam e elas veem que aparentemente ninguém vai vir, a falta de comida faz com que comecem a tentar se organizar e os conflitos entre decisões passam a surgir.
Outra série que tem a sua semelhança, é Lost, e inclusive acho que muitos fãs vão se sentir um tanto em casa com esse toque de se passar em duas épocas. Uma delas apresentando a juventude durante os anos 90, com toda a limitação tecnológica e visual da época, além da perda da inocência. E a outra parte em 2021, com toda a diferença de época, mostrando uma história de suspense e investigação, com a mídia em cima, todos querendo saber o que aconteceu em 96 e a pessoa que sabe demais rondando.
Apesar de tudo, existe uma mudança muito forte do começo da história para o final. Continua bom, porém diferente. Na minha opinião o começo é melhor, isso porque passa uma sensação muito desagradável e pesada. A forma perturbadora que a série te dá pequenos pedaços do horror que aquilo virou, acaba tornando bem atraente. Me deu uma baita sensação ruim ver aquilo, mas aos poucos vai ficando mais leve.
O clima da parte dos anos 90 não é tão intenso ao meu ver, não me teletransportou para aquela época como algumas obras conseguiram fazer. Talvez pelo fato de que se passa no meio do nada, então não dá pra sentir tão bem a limitação tecnológica da época, mas mesmo antes do acidente, eu não senti algo muito atmosférico, talvez seja a fotografia utilizada.
Por outro lado, me gerou algo que a maioria das obras ambientadas nesse tempo não conseguem, que foi uma sensação aconchegante. Acredito que o motivo disso seja exatamente o fato de que ela apresenta duas épocas. Então sempre que cenas no passado são mostradas, bate realmente uma sensação de volta a uma época que se foi há muito tempo.
Enquanto as cenas no presente acabam também tendo o seu charme, pois são uma outra história. O mistério presente faz gerar aquela tensão e a série brinca frequentemente com o público, dando dicas falsas e fazendo ter aquela paranoia sobre quem está fazendo isso, podendo ser alguém de fora ou uma traidora.
Essa também é uma daquelas séries que contam com muitas histórias simultâneas, sendo assim temos Misty, que visivelmente é meio insana e apesar de amigável, é também perigosa, podendo passar muito dos limites. Natalie, que viu sua vida cair em desgraça após os acontecimentos e não tem nada a perder. Shauna, que tem uma vida normal, mas parece que tudo é falso e está desmoronando. Taissa, que teve sucesso durante a vida, mas vê seu passado a perseguir como figura pública. Além de outros personagens secundários com pequenas tramas.
Eu acho que a escolha de atrizes variou na versão adulta, indo desde perfeita até muito estranha. Por exemplo, é possível ver claramente a diferença entre a atriz da Misty adulta, que parece estar na casa dos trinta e poucos, e da Natalie, que parece estar quase nos 60, e isso é bem bizarro... Se queriam retratar o abuso de drogas da personagem, acho que exageraram. Por outro lado, a atriz da Shauna adolescente fez uma verdadeira obra prima, pois ela é loira dos olhos azuis, mas pintou e colocou lentes pra parecer a versão adulta e ficou impecável.
A série também apresenta algumas pequenas partes intrigantes que beiram o sobrenatural, no entanto não chega a ir fundo na coisa, o que abre para interpretação. A possibilidade de algo psicológico está constantemente de mãos dadas com coisas bizarras presentes. Sendo assim, você vê certas coisas que podem ser a mais pura coincidência, mas também é algo que leva personagens a crerem em algo maior.
Enfim, essa é uma série que foi um prazer assistir. Realmente muito gostosa e diferenciada. Recomendo muito dar uma conferida. É uma daquelas pequenas pérolas que surgem de tempos em tempos, apresentando algo diferente e que conseguem mostrar solidez na narrativa. Agora fiquem com a maravilhosa abertura cheia de detalhes novos que eu via a cada episódio:
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