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O Mistério de Candyman | Horror adulto direto dos anos 90


Em 1986, o autor inglês, Clive Barker, lançou uma história bizarra chamada "The Forbidden", e inclusive foi lançado no Brasil em português e edição de luxo em capa dura. E em 1992 uma adaptação americana foi feita. Apesar de não ser tão conhecido quanto outros filmes de terror que são estouros, o resultado foi simplesmente fenomenal, apresentando um vilão muito mais profundo e um filme elegante, fazendo contraste com a gritaria dos filmes de terror do começo da década de 90.

A história apresenta Helen Lyle, uma antropóloga que faz uma pesquisa sobre lendas urbanas e pretende apresentar algo único. Isso a leva a uma lenda de um gueto local. Ela diz que aquele que falarem "Candyman" cinco vezes em frente ao espelho, têm um destino horrível, pois uma criatura conhecida como Candyman, surge e a mata com um gancho. No entanto, a medida em que investiga, a coisa vai ficando mais real.
Se você parar pra notar, é comum em filmes de terror, as pessoas parecerem confusas quando veem um zumbi, vampiro ou lobisomem. Elas ficam pasmas e falam "O que é essa coisa?", mesmo estando bem óbvio, elas simplesmente não falam o mundo. Isso dá a entender que nos universos de filmes de terror, parece não ter mitologia moderna, pois os personagens simplesmente não reconhecem o que é a coisa.

Em Candyman, isso é levado de uma maneira muito mais séria. E inclusive foi o primeiro filme a explorar o conceito de lenda urbana no cinema. Usando de forma bem séria as histórias locais que acabam surgindo. Pelo mundo todo existem suas lendas que surgiram em cidades, indo desde a Loira do Banheiro no Brasil até o Aka Manto no Japão.
E no universo do filme, essas mesmas lendas urbanas surgem. É citado inclusive a lógica por trás de lendas urbanas, como aquelas histórias que ouvimos que aconteceu em um lugar e milhares de quilômetros dali tem alguém que jura que foi lá que isso rolou. Então coisas como a Maria Algodão ou outras lendas são comuns de serem ouvidas sobre terem rolado em vários locais diferentes.

A maior surpresa é que o filme vai além e não usa a fórmula básica de filmes de terror, que é tão básica que inclusive foi ridicularizada em Pânico, citando todos os padrões e clichês. Aqui, isso não é usado, ao invés de simplesmente colocarem um algo como um grupo de jovens que vai sendo arregaçado um a um por um assassino, a coisa foi diferente. Usaram uma fórmula original que acaba sendo intrigante por não ser previsível.
Achei admirável como tomam decisões difíceis no filme e como a história se adapta e segue um caminho lógico. Normalmente, em filmes de terror, a polícia nunca chega a tempo, e se chega é para uma cena rapidinha, logo dispensando os jovens. Mas aqui, as coisas realmente acontecem com a protagonista, ela se lasca inteira e precisa lidar com o horror de entrar em contato com uma entidade que não consegue compreender.
 
A maneira que a história é conduzida usa uma fórmula mais investigativa e séria, que talvez tenha sido esse o motivo de não ter estourado, pois acaba apelando mais para o público adulto, tendo um estilo mais parado. Me lembrou O Chamado, mas com uma atmosfera mais seca, próxima do que vimos em O Silêncio dos Inocentes.
Eu adorei a intensa atmosfera urbana de que alguma coisa está escondida nos becos da cidade. Inclusive achei lindo o monólogo em que Candyman explica sua existência, como acha maravilhoso viver nos becos, nos sussurros, mas não precisar existir. Isso me lembra obras como Spawn, que passa aquele climinha de que em cidades grandes também tem coisas sobrenaturais escondidas. E me faz pensar que Neil Gaiman teve uma inspiração dessa história pra fazer o conceito de American Gods.
 
A mitologia criada para a lógica da existência de Candyman ficou uma delícia. É normal pensar em congregações macabras apenas em áreas isoladas, como uns caipiras em uma vila. Mas aqui é colocada essa ideia em um local inacessível por causa da violência. Com pessoas temendo a existência desse ser, mas a polícia simplesmente não ligando e achando que são apenas mais drogados.
Mas a verdade é que não é tão surpresa assim, afinal de contas Clive Barker é também o criador de Hellraiser, que é uma obra também muito desvalorizada, sendo vista por muitos como puro gore, mas que quando analisada com cuidado, tem um conceito super bem elaborado sobre o prazer. E até nos video games é notável o potencial de criação de universos do cara, como é o caso de Jericho.

Apesar de tudo, nem tudo veio da mente do autor e o filme tem liberdade criativa e toques únicos. Um exemplo é a parte mais notável do visual do filme, que é o gancho na mão decepada, algo que foi feito ali. E a cidade do conto é Liverpool, na Inglaterra, porém acabou se tornando Chicago onde era representada melhor a questão social.


Aliás, se mostra um filme além do seu tempo, com o cuidado com estereótipos e onde é inclusive mostrado um diálogo onde uma personagem fala que não é porque mora naquele lugar que é uma bandida, assassina ou outra coisa. Que ela apenas quer viver sua vida e cuidar de seu filho, mas é a única forma que consegue viver.

Como foram usadas mais de 200 mil abelhas reais para gravar Candyman, a equipe inteira foi picada e é uma produção que você nota ser diferenciada, com os atores tendo que deixar elas andarem em seus corpos e no caso do Candyman, até mesmo teve que deixar na boca. O ator Tony Todd, recebia 1000 dólares de bônus, toda vez que tomava uma picada.

A trilha sonora é absurdamente épica e um dos elementos realmente notáveis presentes, o climinha de mistério ficou incrível e o tema principal inclusive deve ter sido uma das inspirações para a trilha sonora de Silent Hill 2. Eu fiquei até confuso e depois ao pesquisar, vi que não era o único que via as semelhanças entre a música do filme "It Was Always You, Helen" e "Promise (Reprise)" de Silent Hill.
 
Enfim, tá aí uma bela de uma pérola não tão falada como outros filmes clássicos, mas que acho que vale a pena especialmente para o público adulto. Para quem quer um filme de terror com um assassino, mas gostaria de ver algo que foge da fórmula pronta que tanto já se viu por aí, essa opção é interessante. Meio seca no jeito de ser, mas bem agradável.

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