Mais ou menos em 2006, no início das publicações de Berserk no Brasil, chegou uma edição que se não me engano, não era grande o suficiente para fechar um volume do tamanho dos outros e isso fez com que a editora resolvesse quebrar um galho com algo um tanto inusitado que me pegou de surpresa e provavelmente pegou boa parte da comunidade, algo chamado "Berserk: The Prototype", que pode ser um verdadeiro alívio breve para os fãs que fizeram órfãos após a morte do Kentaro Miura.
Antes de Berserk, Miura já tinha se aventurado diversas vezes no universo dos mangás desde a infância e inclusive participando diretamente em revistas sérias. E na época da faculdade, em 1988, foi quando decidiu colocar as mãos na massa, mas ao contrário do que se pode imaginar, o Berserk do jeito que conhecemos não foi a primeira versão. Antes dela ele lançou um one-shot, que é uma história fechada.
Esse one-shot era o "Berserk: The Prototype", que ficou impecável. Não era apenas uma história jogada, mas algo que poderia ter sido continuado dali, ainda mais levando em consideração o nível de detalhes presentes, com desenhos super detalhados e história já muito bem encaixada e com elementos que dão uma profundidade maior do que meramente os acontecimentos presentes.
Talvez no fim das contas, esse one-shot seja a maior prova de que não dá pra só dizer que o Kentaro Miura era preguiçoso por demorar séculos para lançar capítulos novos. Alguém que desenha algo assim e simplesmente descarta para desenhar novamente a coisa, com certeza tem bastante energia. Notamos que ele realmente pegou essa base e à partir dela melhorou e construiu algo novo.
Muito provavelmente o protótipo foi feito já pensado em ser lançado, pois não é apenas um esboço. Porém provavelmente ele observou aquilo e quis ir além, investindo em algo que não fosse apenas bom, mas sim perfeito. E para fãs de Berserk dá pra notar muito bem as diferenças na mitologia da coisa, as motivações e personagens.
Você vê de imediato as influência de Kentaro em eventos históricos, sendo que o principal vilão aqui é o Conde Vlad Tepes, o Empalador, que também serviu de inspiração para a criação de Drácula. E claro, existe todo um misticismo por traz da coisa, ao invés da Mão de Deus, temos uma entidade maior conhecida como Vuana.
Não dá pra ignorar as inspirações vindas de Evil Dead, e que provavelmente foram bases para Berserk ter uma liberdade brutal de decepamento dos personagens desde o início. O lance de Guts perder um braço e ficar cego é algo que pode chocar muito, afinal de contas em histórias em geral é normal o autor ter pena do personagem e ele sempre ficar perfeito, mas se o personagem já vem assim, fica mais fácil ser obrigatório algo acontecer pra ele ficar nessa condição e aqui o Guts já veio prontinho como no mangá original.
Portanto é um anti-herói, tem todo o foco profundo em Dark Fantasy mesmo e você inclusive nota que ele é mais debochado do que o Guts da versão final. Aqui temos um cara que não está nem aí também para o destino de uma vila, mas ele não parece tão bruto quanto o Espadachim Negro, que aliás, aqui é chamado de Cavaleiro Negro.
Apesar de ter menos de 50 páginas, a história é muito bem trabalhada e você percebe que foi feita para ser algo mais ampla. É uma demonstração, mas ele cita o passado dele, as motivações, elementos como o estigma marcado em sua pele aparecem, já existe o conceito de ser "apenas um humano" e não conseguir lidar com a grandiosidade do horror cósmico, algo bastante lovecraftiano.
Enfim, muita gente chorou pelo falecimento de Kentaro Miura, sem sombra de dúvidas ficou um baita de um buraco no peito e a sensação permanente de que sabemos que qualquer coisa de Berserk não é mais vinda das mãos dele, mas tá aí uma boa quantidade de páginas de uma história genuína vindo das mãos do nosso amado mangaká. Vale a pena dar uma olhada.
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