Quando você começa a explorar o mundo dos Mitos de Cthulhu, acaba normalmente indo parar no universo do Rei de Amarelo, que já é um tanto mais limitado e você até acha alguns produtos relacionados, mas existe um nome que faz parte da essência dessa mitologia, mas não tão explícito quanto o Robert W. Chambers, que é o autor Ambrose Bierce, responsável pela criação de Carcosa e do deus Hastur. E hoje vou falar sobre sua primeira aparição.
É muito normal se pensar em Hastur como algo com maior tendência para o mal do que para o bem, e isso com certeza vem da influência lovecraftiana que o popularizou. Mas no conto "Haïta, o pastor" (Do original Haïta the Shepherd), ele pode acabar sendo visto de uma maneira completamente inusitada, pois é mostrado de maneira benigna.
O conto foi publicado em 24 de janeiro de 1891 na revista "Wave", vindo apenas cinco anos depois de "Um Habitante de Carcosa", que é o seu outro conto que se tornou parte do universo do Rei de Amarelo. Depois foi republicado em duas antologias de contos do autor, "Tales of Soldiers and Civilians" de 1892 e "Can Such Things Be?" de 1893.
Assim como em "Um Habitante de Carcosa", em "Haita, o pastor" também temos um universo muito parecido com o nosso, porém com aquela atmosfera onírica. A sensação que eu tive é que estava lendo algo que se passasse nos arredores da cidade que vemos em Pathologic 2, mas em tempos de paz.
É aquele climinha de ser um enorme campo onde um pastor solitário vive, há outras pessoas, mas ele não mora próximo. É um conto tranquilo sobre a felicidade em seu jeito simples de ser, mas a tendência natural humana de simplesmente não conseguir compreender. É meio engraçado porque parece uma versão benigna dos seres inomináveis lovecraftianos.
Digo, vocês devem saber que a loucura causada por monstros de Lovecraft é uma mera consequência do nosso cérebro não conseguir compreender e lidar com aquilo. Aqui a coisa parece o mesmo, mas com foco em algo bom. Sabe quando você vê alguém que vive muito melhor que você e parece ter tudo e essa pessoa está reclamando de coisas super fúteis? Se pensar bem, é algo natural humano, não importa o quanto a pessoa não tenha problemas, isso só vai fazer coisas minúsculas parecerem problemas.
É o tormento humano, a incapacidade de ser feliz o tempo todo por mais que se tente, pois é algo que não é lógico, que está além do querer. E no fim das contas não há muito o que se possa fazer, pois simplesmente não dá para sentir isso o tempo e é complicado conseguir ficar em plena paz, sempre surgem pensamentos sombrios.
Hastur apresentado aqui é como um deus dos pastores, ele os abençoa e protege. Haita é um jovem pastor que dia após dia cuida de suas ovelhas e faz orações para Hastur, que é um deus benigno e sempre está de olho na vida do rapaz. Aliás, tá aí um ponto muito interessante, segundo o narrador, Hastur chega a aceitar fazer um milagre para Haita por temer não ser mais adorado, o que o torna uma divindade muito mais próxima dos humanos do que deuses lovecraftianos comuns.
Apesar de tudo é um conto bastante simples e tranquilo. É algo para se ler em um momento de tranquilidade, especialmente se for em uma manhã tranquila ou uma tarde gostosa. Não é um conto que combina tanto com a noite. Se você quiser dar uma conferida, o blog Caixa de Pesadelos fez uma tradução.
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