Enquanto a obra original foi publicada em 1986 e se passa naquela época, a série da HBO fez a mesma coisa e é adaptada em 2019, apresentando o que aconteceu com o mundo apresentado naquela obra. Sendo assim comentam sobre os Watchmen, falam sobre o acontecimento traumatizante dos anos 80 e alguns personagens até aparecem, mas o foco é em uma nova época.
Apesar de tudo, a trama não se sustenta meramente em cima do que tem nos quadrinhos, ou seja, pra quem estiver esperando algo que seja apenas um monte de referência acumulada, pode acabar se decepcionando. O que temos aqui é o mesmo mundo, porém com novos personagens em uma época diferente, com uma trama própria. Os personagens originais de Watchmen são secundários aqui.
A história se passa em Tulsa, Oklahoma. Os vigilantes foram proibidos, porém e após um evento chamado "Noite Branca", em que um grupo supremacista branco chamado Sétima Cavalaria faz o caos com policiais, os agentes da lei passam a esconder seus rostos com máscaras para não serem identificados e não serem reféns do grupo, o extinguindo.
Anos depois o grupo ressurge e investigações ficam pesadas com o assassinato do líder da polícia. Entre eles alguns agentes especiais que trabalham como vigilantes e são meio que a forma que os agentes tem de quebrar a lei de forma "legal", indo um pouco além em suas investigações, cometendo crimes como abuso policial e invasão.
Como vocês sabem, Watchmen se passa em uma realidade alternativa, então há coisas diferentes, mas dá pra notar bem que existe um toque um pouco mais futurístico com certas tecnologias mais avançadas que as nossas, outras com um toque um pouco retro em seus visuais, mas ainda assim bem futurísticas e que mostra bem que não são apenas os vigilantes que são diferentes. Por outro lado a obra de 1986 já mostrava isso com a nave do Coruja né?
Ao ser anunciada, essa série logo chamou a atenção, inicialmente de forma positiva para quase todos, isso porque imediatamente lembraram da fantástica adaptação para filme e claro, o fato de ser a HBO, que naturalmente fez o povo lembrar do nível de qualidade de Game of Thrones. Porém na medida em que a coisa era produzida, grupos foram se dividindo.
Obviamente quando lançaram, a gritaria começou loucamente, especialmente pelo fato de ser uma série polêmica com um tema polêmico, preconceito racial. E aí é claro que veio a divisão de grupos, alguns dizendo que estragou a obra original e que estavam querendo lacrar, portanto Alan Moore estava certo em não ter seu nome associado. Mas a real é que... Sério, acho beeeem bizarra a afirmação.
A real é que acredito que quando o filme foi lançado em 2009 e popularizou a coisa para o grande público, não existia esse negócio de que tudo é lacrar e exatamente por isso as pessoas não perceberam o quanto o filme também era um tanto polêmico e abordava certos temas um tanto controversos, assim como a HQ.
Além disso distanciar o nome de Alan Moore da "lacração" me faz imaginar que quando as pessoas lembrem de Watchmen pensem mais em "Cara! Aquele filme lá dos herói que tem o Rorschach e descem a porrada, e tem uma coisa lá que é profunda e inteligente e... Ah sei lá, muito bom, diferente!".
Mas que se o mesmo filme tivesse sido lançado em 2019 a fala seria "AFFZZ! Filme da lacração meu! Tão estragando o cinema! Antes tinha o Homem Aranha, o Homem de Ferro, a gostosa da Capitã Marvel, agora só foi fazer sucesso e começa lacração de herói também?". Talvez esteja errado, mas ver pessoas iradas com a lacração que "estragou a obra original" é bastante esquisita.
Se você for ver, até mesmo obras mais antigas do Alan Moore apresentam toques considerados da lacração, é só ver Miracleman, em especial o livro 3, pois por mais que comece com uma quebradeira louca de ossos e um toque perturbador, depois você vai vendo que tudo aquilo está conduzindo a algo que é considerado lacração. Mas bom... Como uma imagem vale mais do que mil palavras, o que quero dizer é... Senhoras e senhores... Apresento-lhes Alan Moore:
Uahahahaha, na real né? Como é que o povo tem coragem de vir com esse papo? Quero dizer, se for falar "Ah eu não gosto porque essa série lacra e é um lixo!", dá pra entender, mas ir associar o nome de Alan Moore como se o cara não estivesse sempre abraçado a ideologias do tipo é de fazer pensar se a pessoa prestou atenção no que leu.
Dessa forma acredito que é o tipo de coisa que a pessoa no fim das contas tem que saber em que está se metendo. Por mais que não seja uma obra do Alan Moore em si, ela tem fortes vestígios disso e acredito que seria bem nesse estilo algo que ele faria, pois aborda temas que são bem isso. Falam do belo e o podre humano.
Inclusive essa questão do podre é algo interessante que acabo achando meio injusto marcar apenas como uma obra da lacração, já que a ideia de um negro pegar uma penca de branco, matar, amontoar e tacar fogo é o tipo de imagem que não parece nem um pouco o tipo de imagem que obras desse tipo de série deveria promover.
Então ao meu ver acho que ela não puxa realmente pra um lado ou outro, apenas adota uma temática que acaba incomodando, mas coloca os personagens de uma forma bastante humana. Os heróis apresentados não são seres perfeitos, são pessoas com erros, com problemas, que têm sentimentos tanto bons quanto ruins.
Outro detalhe é que se você parar pra pensar, não deveria ser uma surpresa para muitos exatamente por ser uma série da HBO, e assim como Moore, ela já pegava temas polêmicos e apresentava algumas coisas um tanto esquisitas e se aprofundava bem na mente humana. Se você ver A Sete Palmos, por exemplo, rola tudo quanto é tipo de bagaceira controversa lá.
Quanto a ser uma continuação da HQ e não do filme, acho que é algo que pode dividir opiniões. Se você for do tipo que acha que a obra original é intocável e completamente desnecessário criar algo a mais só pra ganhar dinheiro (O que por mais bem feito que seja, convenhamos que é verdade né?), então passe longe que é o mais adequado mesmo.
Agora se você é preocupado em ter lido ou não a HQ, sinceramente eu não acho necessário. Caso tenha medo e não tenha tempo, dá pra dar uma conferida em Watchmen Motion Comic, que apresenta a HQ de forma animada, trazendo assim o melhor de dois mundos. Porém creio eu que quem só assistiu o filme vai estar muito bem preparado, e mesmo quem não viu nada vai estar ok, pois aos poucos certos detalhes vão sendo revelados.
Na real, pras pessoas que só viram o filme, acredito que a única coisa que vai ficar meio louca na hora que verem, é o lance de polvos chovendo do céu. Detalhe inclusive que acho que os mais irritados com o fato de "distorcerem o original" mas que só viram o filme, vão se irritar muitíssimo por causa da viagem que é algo assim, porém acaba sendo um elemento totalmente ligado aos quadrinhos.
Como se passa na época atual, acaba não exigindo uma grandiosidade na construção do mundo igual Westworld ou Roma, no entanto ainda assim a HBO conseguiu fazer uma ambientação com um toque peculiar. Sendo assim, mesmo que a realidade apresentada seja alternativa à nossa e no mesmo período, existe um certo toque futurístico que lembra um pouco a atmosfera cyberpunk daquelas obras em mundos não tão detonados, tipo Ghost in the Shell, também há muito neon e música eletrônica, o que acho que no fim das contas acabou combinando muito.
Assim como em The Boys, aqui temos uma série diferenciada de super heróis, com personagens muito mais a ver com a forma de seres humanos agirem. Não é aquela coisa de o grande herói do coração puro e sem defeito algum. Apesar de tudo não acho que podem ser colocadas lado a lado, pois The Boys tem um toque de humor negro muito presente, enquanto aqui a coisa é puramente pesada.
A fotografia é fantástica demais e é daquele tipo de série que gosta de pegar episódios para serem pequenas obras-primas. Tem alguns trabalhos com câmeras que são difíceis de não serem notados, com cortes que passam a sensação da realidade realmente ter se moldado na hora que estavam filmando, pois é simplesmente muito suave.
A trilha sonora me agradou, porém assumo que não acredito que todo mundo vá gostar. Como Watchmen é algo oldschool e mesmo a adaptação de 2009 se passa nos anos 80, muita gente pode estar bem presa à essa época e achar meio esquisito certas sequencias com batidas psicodélicas e que passam uma sensação bem mais futurísticas. Porém pra quem se permite viajar junto com a obra, acho que vai gostar bastante.
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