Alguns leitores mais antigos devem lembrar que antigamente eu fazia análises de jogos feitos no RPG Maker, no entanto com o passar dos anos, simplesmente fui cansando. Muitos jogos semelhantes me sobrecarregaram. E quando o leitor Rian me indicou esse jogo, pensei só "Ah, acho que nem vou jogar...". Porém algo me chamou a atenção na indicação, dizer que era parecido com Berserk. Resolvi dar uma conferida e logo vi que parecia realmente interessante, o que me fez querer testar e sem dúvidas é bem diferente. Usa um ambiente de horror na era medieval de forma extremamente macabra.
A história se passa em um universo medieval terrível, não é um ambiente belo e com climinha de aventura, são terras sombrias, cheias de ladrões, assassinos, mentirosos, e pior... Seres além da compreensão humana. Horrores se escondem em pontos do mundo, entre eles, um lugar conhecido como "Masmorra do medo e fome", que atrai pessoas pelos mais variados motivos.
É engraçado ver como esse jogo leva o gênero Dark Fantasy para outro nível, digo isso porque se existem coisas como a HQ Chained, que é Dark Fantasy, porém apresentada de uma forma suave, então pode existir exatamente o contrário né? E Fear & Hunger é exatamente esse tipo de coisa. Aqui a coisa não se limita à injustiça e horror de obras como The Black Death, ele vai além e apresenta o toque perturbador que vemos em lugares como os mangás do Junji Ito.
Na página de venda aparece em destaque que uma das influências foi Silent Hill, porém acho que isso pode dar uma falsa ideia à pessoa, já que existem outros elementos que acho que acabam se destacando muito mais e fazendo ficar semelhante a outras obras, especialmente Dark Souls. Depois ao pesquisar um pouco, vi que a influência é o trabalho de Akira Yamaoka, ou seja, a influência é mais relacionada à belíssima trilha sonora de Silent Hill.
No jogo você tem quatro personagens para escolher; O Mercenário, que é um bandido mesmo, rouba, mata, faz o que puder pra ganhar dinheiro. O Cavaleiro, se destaca nesse mundo de trevas por ser alguém que tem honra e foi criado para ser um guerreiro. O Clérigo Obscuro, o contrário do Cavaleiro, sem honra ou moral, domina rituais obscuros, mas tem um corpo frágil. O Forasteiro, alguém que passou a vida viajando e sobrevivendo nesse mundo, o que o tornou especialista em lidar com todo tipo de situação para ficar vivo.
Ao escolher o personagem, você é enviado para uma narrativa no estilo livro-jogo, em que vai mostrando a jornada do personagem e em certos pontos você escolhe coisas como abandonar ou não os companheiros. Dependendo das suas escolhas, certas habilidades e itens vão sendo adicionados ao seu personagem. Isso gera uma variação no começo da partida.
Quando começa, é preciso ficar atento já de imediato. Na primeira vez que joguei, meu personagem estava do lado de fora da masmorra, tinha um cavalo morto e uns barris. Mas alguém me chamou aqui em casa, fui responder a pessoa e enquanto isso no jogo comecei a ouvir uns sons de rosnados assustadores e aumentando cada vez mais, quando menos imaginei, na tela surgiram vários cachorros que atacaram e devoraram meu personagem, fim de jogo!
À partir daí já fiquei ligado e vi que esse não é o tipo de jogo que você para e vai dar uma voltinha, se vacilar, morre! A mecânica do jogo tem elementos padrões do RPG Maker, porém no geral se diferencia por adicionar coisas próprias e adaptar alguns dos elementos pra serem apresentados de uma maneira diferente. Sendo destaque para sua sanidade e fome. Seu personagem pode enlouquecer ou morrer de fome.
Existe também um certo toque de roguelike, não é exatamente algo super aleatório como em um roguelike padrão, porém você acaba melhorando com sua morte. Não por melhorar suas habilidades, mas por passar a entender o perigo que certas coisas são capazes de oferecer. Certa vez eu pulei em um poço, eu não morri na queda, mas não tinha saída, ou seja, aprendi que não é porque um poço está ali que vou pular.
Há diversos manuscritos e livros antigos espalhados pelo lugar, alguns oferecem conhecimentos q ue ajudam bastante, como preparar comida, outros são extremamente lovecraftianos e podem te levar à loucura. É preciso tomar cuidado com o que se lê e pensar se você está mesmo pronto pra fazer isso, um livro pode te dar ótimas informações, outro pode te levar para outro mundo temporariamente e você precisa agir rápido antes que essa realidade se desfaça, outro pode te fazer lançar uma moeda, a escolha errada pode te enlouquecer.
Aliás, a moeda é outro elemento bem constante no jogo. Em diversos momentos você a usa para tirar a sorte, então ao abrir um baú, você pode escolher o lado, lançar e se sair sua escolha, ganhará algo bom, se não sair, pode ser algo simples ou pode não ser absolutamente nada. Isso adiciona o quesito sorte no jogo, o que dá um charme, mas pode gerar frustração em alguns jogadores por não depender puramente de habilidades.
Cada personagem também fazem a jogabilidade mudar, por exemplo com o mercenário, eu era capaz de abrir uma fechadura onde tinha uma menina presa pra ela se juntar à equipe, já com outros personagens, é preciso conseguir uma chave pra isso. Com o forasteiro, se um Ghoul aparecer, terei que lutar, com o clérigo obscuro, posso usar magia reversa, fazer o corpo cair sem vida no chão e usar necromancia pra torná-lo um aliado.
Aliás, nesse quesito o jogo é muito semelhante a Dark Souls, existem diversas possibilidades em cada lugar. Você tem que se familiarizar com os itens e começar a entender as possibilidades. Com o passar do tempo você vai ficando mais preparado para lidar com o tipo de coisa que aparece e vai entendendo que é um mundo perigoso, cheio de segredos e consequências.
Você deve estar se perguntando o que diabos tem de tão macabro no jogo. E bom, ele simplesmente não se importa em apresentar bizarrices (o que certamente já vimos em outros jogos), porém adiciona um toque explícito de coisas que me surpreenderam, especialmente em elementos relacionados à sexualidade.
O exemplo mais imediato são os guardas da prisão. Eles tem tamanho sobrehumano, são super musculosos e bom... Tem algo chamado de "ferrão" que bom... Não é exatamente um ferrão aquele negócio nas pernas. Nas batalhas você escolhe membros que deve atacar e cada um deles irá causar dificuldades variadas nos inimigos.
Inicialmente, eu fui de mercenário várias vezes e nos guardas comecei a usar a estratégia de arrancar o braço que estivesse armado, depois atacar a cabeça. Deu certo, porém quando finalmente mudei a classe e fui de cavaleiro (o único com honra), comecei a ficar nervoso que não estava conseguindo acertar, até que ele me pegou. A tela mudou e bom... Meu personagem foi estuprado (sim, aparece) e as pernas dele foram arrancadas, ele foi jogado na prisão do lugar, mas continuou vivo e o jogo continuou assim, com ele se arrastando e constantemente a mensagem na tela do ânus estar sangrando.
Até mesmo coisas que podem parecer mais fofinhas no jogo, podem surpreender. Um exemplo é um altar em que é possível fazer uma oferta a um deus para ser abençoado. Cada um pede algo diferente, eu tentei com o forasteiro o que pedia uma demonstração de amor e aparecia a mensagem de que eu não podia estar só. Em outro jogo, com o clérigo sombrio, fui até lá com um Ghoul e selecionei esse, o resultado não podia ser mais bizarro.
Primeiro apareceu o personagem transando com o morto vivo em cima daquele símbolo ritualístico no chão, no entanto a coisa foi mostrada em flashs, a tela escurecia e ficava clara, porém cada vez que ficava clara, os personagens pareciam mais próximos, mais próximos... Até que apareceu uma mensagem do tipo "A deusa gostou da demonstração de amor, vocês se tornaram o que fizeram", e o corpo do clérigo negro e do ghoul se misturaram de forma bizarra, formando uma criatura pelada chamada "Casados" que passei a controlar.
Visualmente o jogo é muito bonito, fora o menu inicial, não há vestígio de RPG Maker, é uma arte com personagens pálidos e aquele toque meio gótico. Lembra Salt and Sanctuary, porém com visão aérea. Também é maravilhosa a arte horrenda dos seres do lugar, tipo a hidra humana, que é um monte de corpos juntos com cabeças pedindo por sacrifício.
Enfim, jogo fenomenal. Ele não é algo para ser jogado e zerado de primeira, é algo para se ter instalado e ir tentando, ir aprendendo. A cada partida você tenta ir mais longe. Começa a lembrar do que te matou anteriormente, de que efeito certos grimórios podem causar, das consequências de fazer certas escolhas. Recomendo sempre dar uma olhadinha no preço dele na Greenman Gaming antes de comprar na steam, algumas vezes os preços deles estão bem abaixo do normal, e sempre lembre de olhar os cupons de desconto que eles espalham pelo site, que deixa a coisa mais barata ainda, dê uma conferida aqui.
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