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Rebeldes do Deus Neon | Uma viagem pelo podre submundo urbano da década de 90

Esse é um filme que é pura atmosfera e que acaba sendo perfeito pra se assistir em um dia chuvoso, de preferência uma noite chuvosa. Certa vez eu escrevi aqui sobre a conexão que tenho a beleza da cidade, noite e poluição, e acredito que esse filme consiga transmitir com perfeição essa sensação. Essa é uma obra atemporal, que por mais que se passe no passado, é engraçado como a essência do urbano consegue dar um toque do podre futurístico que vemos em obras cyberpunk.
Lançado em 1992, esse é um longa metragem taiwanês dirigido por Tsai Ming-liang e que tem o nome original "Qīngshàonián Nuózhà"assim como "Nézhā" ou para quem fala chinês aí, 青少年哪吒. Eu vi que a tradução fica algo como "Nezha adolescente", sendo que Nezha é um deus de proteção no taoísmo e vem da mitologia budista chinesa. É legal e tem muito a ver, mas sinceramente, nesse caso, acho que o nome em português ficou muito melhor! Isso porque acho que passa bem mais a atmosfera da coisa e provavelmente veio da versão em inglês "Rebels of the Neon God".
A história se passa em uma cidade da Ásia no começo dos anos 90, apresentando uma atmosfera extremamente densa em relação ao quesito urbano da coisa. Então é uma daquelas cidades com o clima podrão, lotada de gente, poluição visual pra todo lado e um estilo de vida um tanto desgastado das pessoas que habitam o lugar, mostrando um mundo underground das classes mais baixas.

O título original é lindo na questão filosófica da coisa, e cai muito bem, mas falta o quesito urbano que foi adicionado no nome que foi adotado no ocidente. E aqui temos duas histórias, sendo a primeira a do jovem Hsiao-Kang, um rapaz que os pais tentam fazer estudar pra ter uma vida melhor, mas ele não está nem aí e não quer nada com a vida. Sua mãe supersticiosa acredita que ele é a reencarnação do deus Nézhā (ou Norcha) porque a sacerdotisa que ela consulta disse isso, enquanto seu pai não tem paciência pra superstição. 

Simultaneamente tem os jovens irmãos Tze e Ping, e a garota Kuei, que os conhece e começa a andar com eles pela noite pra passar o tempo fazendo aleatoriedades. Os irmãos gostam de roubar tecnologia pela cidade, armando golpes, seja arrombando telefones públicos pra pegar as fichas, seja bolando planos pra invadir lojas de fliperama, roubar as placas e revender. Até que Tze quebra o retrovisor do Taxi do pai de Hsiao-Kang, e ele passa a perseguir o trio e infernizar a vida de Tze.

É engraçado como esse filme passa uma sensação curiosa. Conta com bastante chuva, as ruas são sujas, os protagonistas são delinquentes, tem caracteres chineses pra todo lado e os personagens são motoqueiros. A sensação que eu tenho é que se tentassem ambientar o universo de Akira, mostrando a vida de Kaneda e sua gangue antes do que rola lá, teríamos algo semelhante a esse filme aqui.
Os personagens ficam vagando por aí sem rumo, o próprio Hsiao-Kang foi até a escola do curso que estava fazendo e pediu reembolso da grana que os pais investiram e saiu por aí gastando sem ligar pra nada. Parece tudo muito rebelde em um lugar podre mesmo, sem uma visão de futuro, apenas personagens aproveitando o agora sem estar nem aí.

E nos vários momentos em que finalmente saem da chuva e voltam pra casa, em seus apartamentos minúsculos, problemáticos, acaba passando aquela sensação de voltar para o seu cantinho pra poder descasar um pouco de todo o frenesi que tá lá fora, com as luzes, poluição e barulho pra todo lado. É engraçado como isso passa uma sensação aconchegante.
Inclusive isso é exatamente o que deixa o nome ocidental perfeito, apresentando pessoas que estão completamente sem rumo em meio a tanta gente que se esforça pra ser alguém na vida, sendo obviamente os rebeldes, enquanto o Deus Neon é a própria cidade, extremamente cheia de luzes e por onde eles vagam pela noite levando suas vidas de uma forma bem podre.
 
Existe uma forte simbologia usada em alguns pequenos detalhes que são apresentados ao longo do filme. Indo desde o apartamento de Tze, que é só o bagaço e inclusive frequentemente é inundado pelo esgoto que sai do ralo, ficando muito aquela coisa de que ele pode ter ido para seu cantinho, mas a podridão entra até ali. 
 
O mesmo rola com a cena introdutória de Hsiao-Kang, que uma barata entra em seu quarto, enquanto estuda e ele não se preocupa em furar ela com o compasso que usa e cravar o compasso em sua mesa, deixando ela ali agonizando e só bem depois joga fora, para então uma nova voltar e pousar em sua janela. Parece muito uma coisa inevitável, de que por mais que ele se esforce pra ser outra pessoa, o podre sempre volta pra ele e não tem como lutar. Talvez represente pessoas que têm oportunidades na vida, mas simplesmente não conseguem aproveitar.

Como já citei, esse é um filme de atmosfera, portanto o foco não é na história. É mais algo que foi feito para essência. Então os personagens não têm um objetivo, apenas vão vivendo, enfrentando problemas como quando dois deles são espancados, ou simplesmente parando para comer e conversando coisas aleatórias. Mas apesar de tudo, tem o fato de que Hsiao-Kang persegue o trio sem ser notado, e para os que querem uma história mesmo, esse elemento certamente é o que vai entreter.
Você não sabe bem o que Hsiao-Kang quer, se ele quer ser amigo do trio por estar encantando com o jeito deles de viver, ou se quer vingança. Talvez queira os dois... É uma pessoa que com certeza é esquisita no jeito de agir e você vê a sua alegria quando detona a moto de Tze durante a madrugada, estragando tudo e pintando no chão "Aqui está Norcha", fazendo referência ao suposto deus que ele é a reencarnação.

Enfim, se você é do tipo que gosta de coisas pela atmosfera e é apaixonado pelo mundo urbano, tá aí um filme muito gostoso. Ele passa aquela essência noturna absurdamente urbana que vemos em obras como O Vampiro que Ri, e que é ideal para se consumir em uma noite fria, simplesmente muito bom mesmo pra quem curte o estilo. Recomendo! Gostaram da review gente? Vocês se atraem por esse tipo de obra? Comentem aí. =)

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