A história apresenta Max Renn, presidente de uma nova e pequena rede de TV chamada CIVIC-TV, que tem como diferencial, apresentar coisas chocantes para o público. Dessa forma, busca por obras com extremo apelo para violência e libido. Em sua busca descobre algo chamado "Videodrome", um estranho programa de sexo com tortura. Ele fica obcecado para descobrir sua origem, mas na medida em que vai atrás, entra cada vez mais em um submundo de bizarrice além de sua compreensão.
Esse filme é algo que é naturalmente empolgante. Ele mistura a tecnologia da época com um sentimento que começava a dominar e que hoje faz parte do dia a dia de todos, o vício em tecnologia, a fusão entre homem e máquina, usando eletrônicos como uma extensão de seu próprio corpo e algo simplesmente indispensável.
Quero dizer, é fácil imaginar olhar dos anos 90 se desligassem a internet, não iria fazer muita diferença, haveria um impacto, mas as pessoas se adaptariam facilmente, afinal quase ninguém usava internet, isso era coisa de executivos e nerds beeeem nerdões mesmo. Hoje, se desligarem a internet, o mundo para, lojas vão à falência, o desemprego corre adoidado e o caos reina no mundo.
Mas na história da humanidade, cada invenção foi mudando o mundo, desde as ferramentas de trabalho braçal que permitiram fazer construções monstruosas até a escrita que estendeu o conhecimento complexo humano para outro nível, sendo registrado para outras gerações e então vieram as invenções tecnológicas, o trem, os carros, o rádio, e claro... A televisão.
Várias invenções se tornaram extensões da humanidade, nós nos fundimos com ela e viciamos com aquilo. A proposta apresentada em Videodrome é que enquanto carros são extensões das pernas, pás, martelos, espadas são extensões dos braços, a televisão é "a retina da mente". E assim o que a pessoa vê ali é uma extensão de seus próprios desejos. Se adapta e causa efeitos diferentes em cada pessoa, uma apresentação visual íntima nunca vista antes. Viciante!
É apresentada uma visão profunda de nossos pensamentos mais íntimos e do que queremos ver. Vocês já devem ter visto o quanto as coisas facilmente apelam para sexo em qualquer tipo de mídia. E da mesma forma a violência facilmente aparece. Há um momento em que o protagonista dá uma entrevista sobre seu controverso canal de TV e ele explica que não acredita que isso incentiva as pessoas a fazerem, pelo contrário, é uma forma de aliviarem seus desejos mais bizarros e não fazerem na rua. Então ele fala que na verdade está ajudando e não deixando a população mais depravada.
Uma coisa que eu achei fenomenal, é que o filme parece não ter envelhecido, pois é muito comum ficção científica dos anos 90 virar algo extremamente trash. Mas nesse caso, usaram tecnologia da época para apresentar um verdadeiro submundo e é absurdamente maravilhoso ver algo assim em um tempo sem internet.
Então, sem ter como simplesmente entrar na deep web, pra procurar por bizarrices, ele contatou um hacker de sinais de TV, que usa um equipamento que é capaz de captar transmissões clandestinas. Esse tipo de coisa realmente existia, é só ver o caso Max Headroom, que aconteceu de verdade durante a década de 80.
Essa também era a época em que o VHS começou a se popularizar, sendo assim era um item de alta tecnologia e revolucionou a indústria. Até então se via filmes no cinema e a televisão transmitia coisas do jeito que achavam mais adequado. Mas ter um videocassete em casa significava liberdade. De repente a pessoa podia ver escondido o que desejasse, bastava ter a fita certa.
Nesse tempo surgiram diversas fitas piratas e rolou uma popularização absurda dos doentios filmes snuff, que é exatamente o tipo de transmissão que o protagonista acha. Videodrome é como se fosse uma transmissão ilegal feita especialmente para esse público peculiar, mostrando os mais variados tipos de depravação.
A princípio o filme me lembrou demais o Rei de Amarelo, quase como uma versão moderna do clássico, já que lá se fala de uma peça de teatro amaldiçoada que todo mundo que lê, fica obcecado e vai enlouquecendo. Talvez tenha sido uma inspiração para Cigarrete Burns, episódio de Masters of Horror sobre um filme amaldiçoado. E claro, não podia deixar de naturalmente me fazer pensar também em obras lovecraftianas como é o caso de À beira da locura, que também usa o tema.
No entanto, na medida em que o filme passava, o tom acabou mudando e acho que especialmente os fãs de Hotline Miami vão pirar com ele. Se torna super frequente a ideia de insanidade e assassinato, controle mental e aquela constante desconfiança sobre o que é e o que não é real, além daquele pensamento sobre o que diabos está acontecendo.
O filme é cheio de simbologias, algumas eu não tinha entendido de imediato quando assisti e só fui absorvendo depois. Aliás, assisti um tanto despreparado, pois o confundi e pensei que era um filme super trash que eu assisti na infância e fui com esse pensamento. Talvez se eu tivesse visto já preparado, ficaria mais fácil saber que certas cenas tem uma simbologia.
Mas a coisa é basicamente focada em nossos desejos e como nossas mentes se conectou à grande mídia. Por exemplo o conceito de Fake News é mostrado aqui com personagens mandando o personagem fazer coisas que ele simplesmente obedece. E as ordens são dadas da forma mais bizarra, através de fitas. Mas não são colocadas em videocassetes, e sim no próprio personagem.
E aí entramos na parte do horror corporal, que aliás, é a especialidade do diretor David Cronenberg, que também dirigiu o bizarríssimo "A Mosca" e o mais do que maravilhoso eXistenZ, ambos filmes que apresentam tecnologia e alteração corporal. Esse aqui também mostra o personagem se modificando.
A verdade é que você não sabe o que é real no filme. Será uma sociedade secreta que tem tecnologia o suficiente para fazer coisas a nível biopunk? Será uma sociedade secreta de controle mental que é capaz de gerar delírios? Ou será que o próprio protagonista caiu na insanidade em meio ao seus próprios desejos absurdos?
Então chega um ponto em que surge um buraco no meio do corpo do personagem muito parecido com uma vagina e que ele mete a mão lá dentro. É o mesmo buraco em que as "ordens" são colocadas através de fitas cassete, tendo o tamanho perfeito pra encaixar. Só que acontece por exemplo um momento em que Max coloca uma arma lá dentro e então o buraco some. Na hora eu não percebi o quanto essa cena era simbólica dele absorvendo violência.
Aliás, essa mistura de carne e tecnologia é frequentemente apresentada. Não é apenas o corpo do personagem que se modifica, mas objetos começam a parecer mais com carne. Tem uma hora que a TV começa a pulsar, aparecer veias ao redor dela enquanto uma boca sensual é exibida na tela e logo a tela começa a se mover pra fora e o protagonista passa a alisar o televisor e enfiar o rosto.
Existe um baita de um toque de sensualidade frequente na coisa e lembra muito a atmosfera de Black Mirror, como se fosse uma versão retro da coisa, que aliás já se mostrou bem possível com o filme interativo Bandersnatch, que também se passa durante a década de 80 e ainda assim é algo que foca bastante na tecnologia.
O melhor exemplo é um personagem que em um certo ponto falam que ele está vivo, mas passou para outro nível, o que chamam de "A nova carne", que é a própria tecnologia. E no caso ele ficou tão viciado em videodrome, que começou a se gravar sem parar, cada aspecto de sua personalidade, cada pensamento sobre qualquer coisa, até formar uma sala inteira de fitas que o eternizalam.
O melhor exemplo é um personagem que em um certo ponto falam que ele está vivo, mas passou para outro nível, o que chamam de "A nova carne", que é a própria tecnologia. E no caso ele ficou tão viciado em videodrome, que começou a se gravar sem parar, cada aspecto de sua personalidade, cada pensamento sobre qualquer coisa, até formar uma sala inteira de fitas que o eternizalam.
Achei curioso essa forma de apresentarem algo com um toque um tanto cyberpunk, mas de uma forma um tanto mais retro. É um tipo de ideia esquisita apresentada em algumas obras como Serial Experiments Lain, isso de chegarmos a um outro nível de evolução, de não ligarmos mais para nossos próprios corpos, pois tudo está atrás de uma tela e temos que nos unir a algo tão maravilhoso.
Os efeitos especiais do filme são maravilhosos. Eu sei que é difícil para muita gente achar efeito especial gore bonito, mas aqui a coisa foi linda. Me lembrou um pouco a delicadeza da recriação de carne apresentada em O Enigma do Outro Mundo. Digo isso porque em muitos momentos pensei "Como é que eles fizeram isso?", pois em uma época sem a facilidade do CGI, os caras tinham que apelar na maioria das vezes para bonecões e maquiagem, e aqui a coisa ficou realmente bonita de ver, por mais grotesco que sejam as coisas.
Enfim, ótimo filme, ótima mensagem, atmosfera fenomenal. Não acho que seja um filme para qualquer pessoa, até porque ele é confuso pra caramba e grotesco demais, o que acaba naturalmente espantando alguns. A mensagem é meio semelhante à que vemos em Tetsuo, com essa forte bizarrice tecnológica, mas a essência mostrada é incrível. Se você não tem problemas em ficar com uma sensaçãozinha meio ruim após terminar de assistir algo, tá aí uma ótima opção.
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