Esses dias no Discord do Nerd Maldito, alguém falou sobre jogos online via emulador. E é claro que para muitos isso não é nada demais, afinal já estamos um bocado avançados na história dos video games e a quantidade de coisas tão presentes que ficaram comuns é imensa. Graças a isso às vezes é fácil ignorar coisas grandiosas diante de nossos olhos. Uma dessas coisas é a possibilidade de jogar online graças à emulação.
Hoje em dia vemos que a emulação faz algumas coisas bem exageradas e surpreende em às vezes conseguir fazer coisas melhor do que seus consoles originais. Um ótimo exemplo é The Legend of Zelda: Breath of the Wild rodando a 60fps e em resoluções superiores ao do Nintendo Wii U. Ou mesmo utilidades improvisadas em jogos como o Super Mario 64 Maker.
E a funcionalidade online é algo bem comum também, inclusive em consoles que não tinham multiplayer online ou mesmo local, como o Super Mario 64 Online, que pegou um jogo singleplayer e transformou em um baita jogo multiplayer com uma boa variação de opções e que jamais funcionaria na época do Nintendo 64 devido a diversos fatores como conexão.
Mas bom, tudo que se torna popular já foi novidade um dia né? E a funcionalidade online é uma delas. Sei bem que algumas pessoas já cresceram vendo emuladores fazendo de tudo e graças a isso não parece impacto algum ver uma coisa como jogar na internet com um amigo. Mas para quem não tinha acesso a algo assim e de repente passou a ter, a coisa é diferente.
Eu já tinha falado aqui no blog a minha história com o Super Nintendo e comentei sobre depois daquela época ter experimentado um emulador pela primeira vez e como foi incrível, no entanto com certeza a funcionalidade online era uma das coisas mais especiais que tinha e que tornava tudo muito surreal.
O negócio é, aquilo era o começo da década de 2000, ninguém tinha computador naquele tempo. Sei que a virada do milênio foi quando começaram a falar de computador, mas parecia aquele tipo de novidade cara que não era útil pra ninguém, afinal de contas por que diabos alguém teria um computador né? Pra ficar digitando texto? Não valia a pena pagar mais de dois mil reais em algo inútil assim, até porque o salário mínimo era R$ 151,00 naquela época, então imaginem né?
Felizmente isso foi algo que tive uma sorte cabulosa em conseguir ter, um computador. Acho que foi uma mistura de sorte com o momento certo. Minha mãe tinha essa mesma visão de mundo que a maioria das pessoas. Computador era meramente uma ferramenta de estudos e foi isso que ela comprou pra mim, algo pra eu escrever (Eu já falava em ser escritor naquela época).
As coisas mais atraentes de forma divertida que eu via em um PC eram alguns sites, que eu nem sabia pra que serviam, mas nos comerciais de Goosebumps, aparecia o endereço e eu imaginava que ia ter algo de outro mundo, o que obviamente era errado, quero dizer... Se os sites de divulgação modernos já são genéricos pra caramba, imagina no começo da década de 2000? Era só o bagaço!
Outra coisa, hoje em dia você quer um programa que faça algo em específico, é só procurar na internet. Bom, naquela época as coisas eram um pouco mais bagunçadas, sim existiam na internet, mas o google por exemplo era uma empresa que ia fazer dois anos e os mecânicos de pesquisa eram uma verdadeira gambiarra.
O mais popular no Brasil era o "Cadê?" que os donos de sites tinham que cadastrar seus sites e por uma descrição, e era assim que você fazia buscas. Eu por exemplo era viciado em The Sims 1, então colocava exatamente o termo "The Sims" na busca e apareciam lá vários sites com nome e descrição do conteúdo.
E o mundo era assim, bem mais mecânico. Quando entrei em contato com o emulador de Super Nintendo foi algo surreal, minha cabeça ficou quase pra explodir, afinal de contas quando você é um menino que tem umas 8 fitas de super nintendo e sabe que não vai conseguir mais porque é caro pra cacete, é muito poder comprar um CD de 500 jogos de uma vez. Eu nem ligava se PC tinha melhores gráficos (Até porque comprar jogo naquela época era só os de revistas, porque um de caixinha era impossível com o preço).
E claro, aí entramos na questão da pirataria e aquele debate mais profundo sobre a coisa, mas na época eu só era um menino que tinha descolado um CD tunado, não tinha nem ideia sobre o que era e o que não era pirataria, até porque aquele mundo era diferente, não era como hoje que todo mundo tem uma conta da steam cheia de jogos originais e tem condições para comprar mais. Os jogos eram tão absurdamente caros que a mentalidade da população da época era só de comprar pirata mesmo, nem se pensava em algo original, até porque a maioria desses produtos nem ao menos existia no Brasil, vinha de fora mesmo.
Nessa época eu também descobri a conexão com a internet, que era bem diferente, era a chamada "conexão discada", que era só a tranqueira. Você tinha que desconectar o cabo do telefone fixo e meter ele no computador. Aí abria um programinha onde você colocava o número do provedor da internet e ele discava. Daí começava aqueles chiados que alguns de vocês já devem ter visto em filmes. Quando o chiado acabava você descobria se tinha conseguido ou não ficar online (às vezes tinha que rezar kkk).
Só que tinha um probleminha nesse tipo de conexão. Ele era de fato uma ligação, ou seja, quanto mais tempo você ficasse na internet, mais ia pagar por ela. Além disso ocupava de verdade a linha telefônica. Que delícia ein? Imagina como minha mãe gostava? E se você é uma pessoa que viveu os anos 90 e de repente entra em um mundo com internet, imagina como não é viciante? Eu me sentia em um "Seja bem vindo ao futuro, mortal!" Então a gritaria rolava solta.
Felizmente existia uma opção interessante. Entre meia noite e seis da manhã o preço era menor, gastava apenas um "pulso", cada pulso custava 10 centavos. E também nos finais de semana a partir de sábado às 2 da tarde até as 6 da manhã de segunda feira era um pulso só. Ou seja, chegava o fim de semana e às 2 da tarde era um inferno, todo mundo tentando conectar ao mesmo tempo. E a quantidade de computadores nas casas estava aumentando, então só piorava a cada sábado.
E com isso me veio uma solução que muitos garotos da época acabaram tendo, o de entrar escondido depois da meia noite. E como eu estudava de manhã e o computador ficava na sala, imagina a aventura que não era? kkkkkk. Eu colocava o cobertor por cima do monitor e ficava sorrateiramente lá baixando altas músicas pelo kazaa (um programa cheio de vírus pra baixar arquivos) e conhecendo coisas novas toda madrugada com um povo online.
Embora eu tenha sido pego algumas vezes, comigo era até tranquilo porque o som do meu modem saia da caixa de som. Tinham alguns dos meninos que era um verdadeiro inferno porque era o próprio modem que fazia o som de conectar, então os pais tinham que ter o sono bem pesado pra não ouvir o escândalo que era a bagaceira kkkk.
Naturalmente eu acabei conhecendo pessoas novas, e foi assim que conheci um amigo chamado Luiz, que passei a gostar demais, e um grupo de outros garotos, onde testávamos as possibilidades noite após noite. O Luiz se tornou meu melhor amigo na época, meu primeiro amigo virtual, era algo diferente, uma pessoa de São Paulo (sou de Brasília) e tão parecida. Hoje conhecemos gente nova na internet todo dia, mas naquela época era algo que não acontecia, ainda mais com tão pouca gente tendo computador, então era uma experiência nova que estávamos passando juntos.
E fuçando o emulador de Super Nintendo, acabamos notando a opção de internet e resolvemos testar. Bom, ao menos nesse quesito as coisas eram mais fáceis naquela época, pois bastava um criar o jogo, e o outro por o IP. Hoje é preciso fazer uma penca de gambiarras pra abrir portas, usar programas infernais como o Hamachi e é normal pessoas desistirem de jogar porque não tá conectando. Mas nessa época era colocar e jogar. Simples e maravilhoso assim.
Foi realmente um sonho poder zerar Goofy Troop (aquele jogo do Pateta) com o Luiz, e também entrar em combates online no multiplayer fantástico de Metal Warriors. Aquilo era realmente coisa de outro mundo. De repente eu estava pegando algo limitado a jogar com amigos localmente e jogando com uma pessoa centenas de km.
Algo engraçado é que nós conversávamos via texto e não via áudio. Até acontecia de vez em quando com o ICQ (programa pra se comunicar da época), mas no jogo mesmo a coisa era silenciosa e se tivéssemos que falar algo, pausávamos e enviávamos uma mensagem falando qual era a estratégia ou dando dicas.
Então os anos foram passando, as coisas foram mudando. Hoje em dia eu ainda conheço o Luiz, mas ele se distanciou infelizmente. Só que esse é o tipo de história que acaba fazendo valorizar bem certas coisas que são tão comuns que é um pouco complicado de realmente notar quando você não viu a coisa ser novidade.
É claro que existem muitas pessoas que veem emulação como coisa de vagabundo, no entanto eu já inclusive cheguei a escrever sobre como emuladores são mais importantes do que se imagina, e como é o tipo de coisa que com o passar dos anos se torna realmente a única forma de preservar certas obras que se perdem no tempo.
Enfim, só queria compartilhar alguns pensamentos mesmo, já que achei curiosa essa conversa no Discord, hoje em dia com a quantidade cabulosa de coisas pra fazer acaba se deixando passar facilmente muitos detalhes. Eu mesmo não tenho muito tempo para me dedicar, e nem lembro a última vez que testei um emulador, mas ainda assim não deixo de admirar o tipo de maravilha que tornam possíveis.
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