Embora o gênero cyberpunk tenha nascido em obras sérias e cheias de complexidade como Neuromancer, é um estilo que acabou caindo na boca do povo e virando uma verdadeira bagunça muitas vezes. Isso faz com que algumas pessoas nem ao menos saibam que normalmente cyberpunk tenha fortes laços com histórias profundas. Mas naturalmente há diversas obras que exploram isso bem e uma delas é o filme em anime Ghost in the Shell, que eu já tinha falado aqui na matéria sobre O Fantasma do Futuro, porém me vi na obrigação de criar uma postagem mais profunda sobre o assunto após ler o mangá de Ghost in the Shell.
O negócio é que essa é uma daquelas animações que facilmente você percebe que perdeu alguma coisa, os personagens falam demais e não são as típicas frases de personagens de anime que querem ter seus momentos estilosos. São diálogos extremamente filosóficos sobre a existência, tecnologia e corrupção. Elementos que moldam o universo da história de uma forma muito bem trabalhada e que facilmente se destaca.
Esse é um filme que quando citei a primeira vez no blog já tinha assistido mais de uma vez e mesmo assim pareceu mais algo que peguei a essência, mas não consegui absorver a obra por completo. Após ler o mangá notei muitas coisas que eu não tinha percebido ou simplesmente não tinha a mínima ideia de como saber. Sendo assim é um filme lotado de coisas na entrelinhas e que eu assumo que só soube após ler a versão do mangá lançada no Brasil com os comentários do autor, cheios de explicações.
A história se passa no ano de 2029, um futuro onde a tecnologia está avançada o suficiente para extrair o cérebro de uma pessoa sem matá-la. Isso permite que, aqueles ricos o bastante, possam pagar por corpos sofisticados que lhes dão acesso a um verdadeiro novo mundo de possibilidades não apenas físico como uma conexão a uma vasta rede de dados.
O foco da história é uma equipe do governo japonês conhecida como Setor 09, onde trabalha a major Motoko Kusanagi, que tem um corpo poderoso bancado exatamente para fazer missões militares variadas envolvendo terrorismo, espionagem, traição e outras coisas.
Como eu falei na matéria sobre o mangá, ele mostra as várias missões do Setor 09, no entanto tem uma história principal que as liga. Já o filme em anime tem foco especialmente na história principal, pegando alguns elementos de outras histórias e os usando. Não é algo que soa apressado, foi feito de uma maneira tão suave que me surpreendi, pois tive que me esforçar um pouco para tentar lembrar que partes foram puladas.
Graças a essas mudanças tem certos elementos interessantes do universo do mangá que não foram mostrados, como os Fuchikomas (robôs de auxílio em missões) ou o abuso de empresas de uma forma mais pesada como o tráfico humano, essas coisas. São elementos que não são necessários para a essência, mas que no mangá fica mais claro o mundo apresentado.
Ou seja, essa não é uma adaptação perfeita, mas que apresenta o que realmente se destaca, que é a história do Mestre dos Fantoches, um inimigo misterioso que está sendo perseguido há anos por uma outra equipe do governo e seus motivos são desconhecidos, mas acaba sendo uma surpresa quando cruza o caminho da major Kusanagi.
Uma outra mudança que achei maravilhosa é nos traços, enquanto no mangá é usado frequentemente a deformação de personagens, o filme fez designs muito mais sérios para todos eles. Sendo assim não há aquela técnica para momentos descontraídos com boconas enormes nos personagens. Aliás, é um filme bem sombrio e nem ao mesmo momentos descontraídos estão presentes, é todo mundo de cara fechada do começo ao fim.
Aliás, inclusive fizeram algo com a Kusanagi que eu nunca tinha pensado antes, mas que dessa vez me surpreendeu. A expressão do rosto dela, em diversos momentos você vê algo vazio, eu pensava que era só coisa do acaso, mas a verdade é que é proposital. Com a seriedade do traço apresentado no filme, colocaram também um realismo nesse tipo de detalhe. Aquele corpo dela é artificial, sendo assim, fora o cérebro, é basicamente uma boneca eletrônica e por isso ela sempre tem essa cara estranha e vazia.
Não bastando o traço, os personagens também estão com personalidades mais sérias, sendo assim não é uma obra ausente apenas de caras e poses de anime, mas também sem gritaria e tosqueira. Kusanagi do mangá tem um baita de um estilo garota rebelde, a do filme é super séria e quieta. No mangá seus momentos de folga são fazendo coisas como ir pra um bacanal lésbico usando software pirata pra acessar uma simulação, no filme são mergulhando sozinha para pensar um pouco.
A animação é maravilhosa demais! Trata-se de uma obra de 1995, no entanto sempre que assisto e vejo o foco que dão em mostrar coisas do dia a dia parece realmente uma obra vindo diretamente do futuro. Os combates mostrando uma movimentação charmosa demais, as perseguições por lugares cheios de gente e detalhados fazem eu me sentir naquele lugar.
E a trilha sonora então? Não importa quantos anos passem, eu simplesmente não consigo tirar a cena introdutória com música feita especialmente pra ela. É mostrada a montagem de um corpo robótico da Kusanagi sendo montado enquanto um coral com melodia folclórica é cantado até o momento em que está pronto e aparece ela sentada abrindo a janela e olhando a imensa cidade lá fora. A cena em si é um "Bem vindo a esse mundo", mas essa música é um dos temperos mais fortes. Um grupo de fãs inclusive chegou a refazer esse momento em fotos em live action.
Enfim, esse filme foi lançado seis anos após o lançamento do mangá e foi um baita de um sucesso, sendo o primeiro filme em anime a ser lançado simultaneamente em três países (Japão, Estados Unidos e Reino Unido). É um filme que é preciso de atenção imensa na hora de assistir e que pode ser cansativo, mas se você pega a essência da coisa sem dúvidas vai achar recompensador. É um baita item de colecionador e foi uma das grandes inspirações para o filme Matrix, no Brasil ele foi lançado pelo nome O Fantasma do Futuro, mas é meio difícil de achar, mas você encontra o mangá a venda na Saraiva e na Amazon.
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