O
que aconteceu naquela margem de rio eu não posso esquecer, mas dizem
que quando se conta uma história, parte dela é tirada de você e passada
ao outro.
Era um pouco após o almoço. Eu estava arrumando a casa para que a mãe me deixasse sair. Éramos três morando no interior de Minas Gerais onde as casas ficavam separadas por grandes espaços preenchidos apenas por matagais e florestas. Nossa casa era grande, mas simples, meu pai contava à gente cinco vezes por semana como foi chegar ao estado e conseguir seu espaço, construir a casa, se tornar bem sucedido e cuidar de mim e minha mãe. Com 17 anos eu já escutara aquilo centenas de milhares de vezes, mas isso não me impedia de gostar do meu pai.
Avisei minha mãe que eu ia sair. Ela suspirou e disse pra eu tomar cuidado lá fora, ficar na sombra e tudo o que ela sempre dizia. Concordei, deixei-a sozinha na cozinha fazendo algo que cheirava a torta e fui trocar de roupa, meu pai estava trabalhando e só chegaria mais tarde. Calcei minha bota e coloquei minha faca na alça de couro da calça. Meu pai com muito esforço já havia convencido minha mãe antes a me deixar ficar com a faca que ele me deu de presente. Era uma faca pesada, com o cabo de madeira entalhada e lâmina negra. Dei uma última olhada no céu pela janela, estava claro então saí de casa e fui em direção à floresta caminhando entre as árvores e terra. Em frente à nossa casa passava uma estrada onde raramente alguém que não era daqui passava. Atrás, existia uma floresta e seguindo reto estava o rio São Francisco, onde eu desejava chegar. Minha faca presa à minha cintura balançava, eu ia me apoiando nas árvores e me sujando de terra, depois deslizando no lodo que se formava indicação de que eu estava chegando perto do rio. Pra mim era uma diversão andar por lá, sempre sozinho. Caminhei por quase meia hora até chegar no Rio, lá eu fiquei à uma das margens onde o rio era mais fundo procurando peixes ou sinal de alguma cobra.
Foi exatamente nessa hora, eu ia tirando minha camisa e bota quando ouvi o som da grama sendo esmagada atrás de mim, me virei e vi um senhor muito pálido logo atrás de mim, podendo me tocar se ele esticasse bem o braço. “Dia bonito. Certo?” foi o que ele comentou, eu, de sangue gelado, confirmei num balbucio e olhei logo de volta para o rio. Imaginei que ele era um dos fazendeiros que existiam por ali, os velhos gostavam de passar tempo na natureza, mas por alguma razão me senti extremamente acuado no momento em que o vi. Eu, inquieto pela nova presença, abortei os planos de nadar no rio e pensei em sair da li nem que fosse por cima dele, mas ele continuava logo atrás de mim, parado, pois não ouvi novos sons de passos. Quando me virei novamente ele estava no mesmo lugar. Ele vestia uma roupa preta bem mais limpa que a minha. Meu sangue congelou novamente, minha boca secou. Olhei por trás dele como quem diz que deseja ir por aquele caminho, a floresta atrás do senhor era um breu, com galhos ou cipós densos e a luz do sol acima me ofuscava a visão. Tentei esconder minhas mãos que agora tremiam. “Eu... acho que vou caminhar um pouco” foi o que consegui dizer. Ele fez um som baixo, uma risada, então eu olhei para o sorriso dele, um sorriso esguio de meia boca. Fiquei de olhos vidrados, o vi mais pálido ainda, como ninguém por ali. Sua boca era fina, parecia não ter lábios, como se sua boca fosse um corte na face branca. “Acho que você deveria ficar, Tomé”. Meus pés congelaram, olhei-os tentando me recompor, meu coração pulsava, quando olhei para os pés do homem vi que a grama ao redor estava negra, ele estava descalço e seus dedos eram pontiagudos, voltei meus olhos para cima e vi um sorriso escancarado, dentes negros e pontiagudos, seus olhos eram igualmente negros, por inteiro, percebi então que os galhos que eu vi viam das costas dele, se moviam como as patas de um inseto asqueroso. Ele torceu sua a cabeça enquanto dizia “Eu amo o cheiro do medo, Tomé, e sua mãe cheirava muito bem”. Num grito retirei a faca da bainha de couro e eu finquei-a no peito dele, foi quando ele começou a gargalhar e suas garras me cortavam a pele, eu a retirei e enfiei nele novamente, mas a gargalhada infernal apenas ficava mais forte. Não sei se foi o medo, ou os cortes que ele me fez, mas caí no chão com a faca na mão enquanto ele aproximava o seu rosto do meu. Sua mão arranhava minha face, em cortes profundos que ele faziam sem nenhum esforço, eu levantei a faca mais uma vez, mas era inútil. A risada histérica e o rosto pálido dele estavam a meio palmo de distância, seus olhos eram buracos na face branca, assim como sua boca, eu fechei os olhos e abaixei a faca num rápido esforço.
Não sei o que mais aconteceu com meu corpo, mas não senti mais nada. Não senti mais dor, mas ouvi a voz repulsiva dizer “Bom trabalho, Tomé” e depois a risada, que jamais parou.
Autor: Henrique Roberto
Era um pouco após o almoço. Eu estava arrumando a casa para que a mãe me deixasse sair. Éramos três morando no interior de Minas Gerais onde as casas ficavam separadas por grandes espaços preenchidos apenas por matagais e florestas. Nossa casa era grande, mas simples, meu pai contava à gente cinco vezes por semana como foi chegar ao estado e conseguir seu espaço, construir a casa, se tornar bem sucedido e cuidar de mim e minha mãe. Com 17 anos eu já escutara aquilo centenas de milhares de vezes, mas isso não me impedia de gostar do meu pai.
Avisei minha mãe que eu ia sair. Ela suspirou e disse pra eu tomar cuidado lá fora, ficar na sombra e tudo o que ela sempre dizia. Concordei, deixei-a sozinha na cozinha fazendo algo que cheirava a torta e fui trocar de roupa, meu pai estava trabalhando e só chegaria mais tarde. Calcei minha bota e coloquei minha faca na alça de couro da calça. Meu pai com muito esforço já havia convencido minha mãe antes a me deixar ficar com a faca que ele me deu de presente. Era uma faca pesada, com o cabo de madeira entalhada e lâmina negra. Dei uma última olhada no céu pela janela, estava claro então saí de casa e fui em direção à floresta caminhando entre as árvores e terra. Em frente à nossa casa passava uma estrada onde raramente alguém que não era daqui passava. Atrás, existia uma floresta e seguindo reto estava o rio São Francisco, onde eu desejava chegar. Minha faca presa à minha cintura balançava, eu ia me apoiando nas árvores e me sujando de terra, depois deslizando no lodo que se formava indicação de que eu estava chegando perto do rio. Pra mim era uma diversão andar por lá, sempre sozinho. Caminhei por quase meia hora até chegar no Rio, lá eu fiquei à uma das margens onde o rio era mais fundo procurando peixes ou sinal de alguma cobra.
Foi exatamente nessa hora, eu ia tirando minha camisa e bota quando ouvi o som da grama sendo esmagada atrás de mim, me virei e vi um senhor muito pálido logo atrás de mim, podendo me tocar se ele esticasse bem o braço. “Dia bonito. Certo?” foi o que ele comentou, eu, de sangue gelado, confirmei num balbucio e olhei logo de volta para o rio. Imaginei que ele era um dos fazendeiros que existiam por ali, os velhos gostavam de passar tempo na natureza, mas por alguma razão me senti extremamente acuado no momento em que o vi. Eu, inquieto pela nova presença, abortei os planos de nadar no rio e pensei em sair da li nem que fosse por cima dele, mas ele continuava logo atrás de mim, parado, pois não ouvi novos sons de passos. Quando me virei novamente ele estava no mesmo lugar. Ele vestia uma roupa preta bem mais limpa que a minha. Meu sangue congelou novamente, minha boca secou. Olhei por trás dele como quem diz que deseja ir por aquele caminho, a floresta atrás do senhor era um breu, com galhos ou cipós densos e a luz do sol acima me ofuscava a visão. Tentei esconder minhas mãos que agora tremiam. “Eu... acho que vou caminhar um pouco” foi o que consegui dizer. Ele fez um som baixo, uma risada, então eu olhei para o sorriso dele, um sorriso esguio de meia boca. Fiquei de olhos vidrados, o vi mais pálido ainda, como ninguém por ali. Sua boca era fina, parecia não ter lábios, como se sua boca fosse um corte na face branca. “Acho que você deveria ficar, Tomé”. Meus pés congelaram, olhei-os tentando me recompor, meu coração pulsava, quando olhei para os pés do homem vi que a grama ao redor estava negra, ele estava descalço e seus dedos eram pontiagudos, voltei meus olhos para cima e vi um sorriso escancarado, dentes negros e pontiagudos, seus olhos eram igualmente negros, por inteiro, percebi então que os galhos que eu vi viam das costas dele, se moviam como as patas de um inseto asqueroso. Ele torceu sua a cabeça enquanto dizia “Eu amo o cheiro do medo, Tomé, e sua mãe cheirava muito bem”. Num grito retirei a faca da bainha de couro e eu finquei-a no peito dele, foi quando ele começou a gargalhar e suas garras me cortavam a pele, eu a retirei e enfiei nele novamente, mas a gargalhada infernal apenas ficava mais forte. Não sei se foi o medo, ou os cortes que ele me fez, mas caí no chão com a faca na mão enquanto ele aproximava o seu rosto do meu. Sua mão arranhava minha face, em cortes profundos que ele faziam sem nenhum esforço, eu levantei a faca mais uma vez, mas era inútil. A risada histérica e o rosto pálido dele estavam a meio palmo de distância, seus olhos eram buracos na face branca, assim como sua boca, eu fechei os olhos e abaixei a faca num rápido esforço.
Não sei o que mais aconteceu com meu corpo, mas não senti mais nada. Não senti mais dor, mas ouvi a voz repulsiva dizer “Bom trabalho, Tomé” e depois a risada, que jamais parou.
Autor: Henrique Roberto
Esse é um dos contos que concorreu no concurso de contos de terror do blog.
3 Comentários
Bom trabalho, Tomé
ResponderExcluirBom trabalho Tomé! Seu abestado, mano viu esprito pula na agua!!!
ResponderExcluirTodo mundo sabe q esprito NÃO entra na agua u.u
(não me pergunte pq, minha vó falava então deve ser vdd)
Mas é isso, das duas uma, ou o pai dele fez pacto para ter vida boa, ou pegou a parada zicada.
De toda forma, muito boa a historia
Boníssimo trabalho, Henrique Roberto!
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