Indo além da hora do demônio

E então eu desperto de madrugada, não abro os lhos, fico nervoso, pensei ter ouvido algum barulho, estou com sede, esqueci de deixar a garrafa de água que sempre deixo ao lado da cama, porém tenho medo de me levantar, tenho medo de sair de baixo das cobertas, olhar no relógio e ser aquele horário... A hora do Demônio. Li em algum lugar sobre esse horário, começa as três da manhã e termina as quatro, nesse momento espíritos vagam pela terra, atormentam as pessoas. Muitos dizem que é besteira, mas eu acredito no sobrenatural, acredito em criaturas que não podemos ver essas coisas. Deve ser um tormento presenciar um espírito se manifestando, tenho medo de olhar para os cantos escuros de minha casa e ver algo escondido ali, me olhando calmamente.

Essa sede é tanta, como odeio acordar de madrugada, procuro sempre dormir tarde para despertar apenas pela manhã, mas isso não acontece sempre. Detesto ter que ir ao banheiro e me sentir vulnerável, sempre atravesso rapidamente minha casa e volto quase correndo, mas quando estou com sede, é pior, pois sei que terei que andar ainda mais, acabo ligando cada uma das lâmpadas que vejo pela frente. Não gosto da escuridão, sempre sinto que tem alguém ali me vigiando e preparado para me atacar a qualquer momento. Às vezes quando vou ao banheiro e abro a porta novamente, fico imaginando que terá alguma criatura me esperando ali, sempre fico nervoso ao abrir portas.

Também tenho medo de reflexos, eu nunca me olho no espelho durante a madrugada, tenho medo de ver algo em algum dos cantos, ou mesmo de olhar para a minha própria imagem e ver o reflexo de algo que não sou eu. Esses medos da madrugada me atormentam, quando a noite cai, os meus temores se iniciam, e quero apenas dormir para mais uma vez ver a luz do sol.

Essa sede... Droga... Eu realmente preciso beber água, minha garganta está tão seca, não aguentarei voltar a dormir assim. Eu me viro e então finalmente abro os olhos, já virados para o rádio relógio próximo a minha cama, e vejo com alívio que são cinco e meia da manhã, o sol não nasceu, mas logo irá surgir, finalmente a luz estará aqui para me proteger novamente, a hora do Demônio já passou faz tempo.

Eu me levanto aliviado, as sombras ao meu redor não me agradam, porém logo irão desaparecer. Saio do meu quarto e vou andando em direção a cozinha, sei que logo haverá luz, mas prefiro acender as luzes mesmo assim. Finalmente posso beber, eu encho o copo e sinto o prazer da água descendo por minha garganta, finalmente posso matar essa sede tão forte. Bebo mais depois copos de água e me sinto saciado.

Eu então coloco o copo no lugar e desligo a luz da cozinha, saio e dirijo os meus dedos para desligar a luz da sala, porém imediatamente a ligo novamente ao perceber que vi algo que não tinha notado até então. O meu coração dispara, e os pelos do meu braço e ficam arrepiados quando olho para a cortina atrás do sofá. Há uma pessoa ali, posso ver metade de seu corpo exposto, seu olhar é fixo, e seus lábios carregam um enorme sorriso, como se estivesse se segurando para não gargalhar. Eu abro a boca tentando dizer algo, mas o resto do meu corpo está paralisado. Os meus olhos se dirigem então para o relógio pendurado na parede da sala, e vejo que são três e dez da manhã. Ouço então a voz do homem dizer:

-Enganar é uma das maiores especialidades do Diabo.

Sinto então atrás de mim, dedos gelados tocarem minha nuca.

[FIM]

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