O desconhecido é uma das características mais apresentadas nas obras de H.P. Lovecraft, embora nem sempre se compreenda bem o que exatamente ele quer dizer, mas em várias obras ele apresenta um pouco mais sobre o que quer passar. Acredito eu que O inominável seja talvez a melhor obra dele para passar o que deseja, embora mesmo assim seja necessário também um pouco de esforço do leitor para captar a ideia. E nesse conto que vou postar hoje, é uma outra maneira do autor tentar passar a essência de suas obras.
É comum nós assemelharmos a obra desse autor a algo mágico envolvendo o oculto e criaturas fantásticas, o que é bem natural, visto que as obras do Ciclo dos Sonhos tem um clima onírico constante e em muitos momentos chegam a lembrar contos de fada, enquanto as criaturas dos Mitos de Cthulhu acabam por nos fazer pensar em coisas como demônios e outras criaturas sobrenaturais. Mas a verdade é que Lovecraft sempre usou muito elementos lógicos, e não puramente balela em suas obras, e assim o que ele apresenta é uma mistura entre a ciência e a fantasia. O que quero dizer é que ele é um escritor de ficção científica, e as coisas que ele mostra podem parecer o sobrenatural na visão humana, mas o que ele realmente passa é que essas coisas são apenas incomuns e vindas de outro canto do universo e outras dimensões, que também tem as suas próprias leis. Portanto o fato da humanidade não ter contato, não significa que não existam, apenas que tem suas próprias regras. Ou seja, é ficção científica, mas ao ser vista por uma pessoa, aquilo é tão fora do normal que acaba sendo confundido com o sobrenatural.
Não estou dizendo que os leitores estejam errados em ver essas criaturas como mágicas, porque elas realmente são, mas o que quero dizer é que a magia no universo de Lovecraft é nada menos do que a ciência incompreendida por seres humanos. Uma boa forma de vermos isso é no RPG Cthulhutech, onde o mundo evolui absurdamente quando conseguem decifrar algo que é "magia" mas que gera uma fonte de energia muito complexa e inesgotável.
Em "Do além" a história não é mostrada pela visão de algum tipo de ocultista ou investigador, ou mesmo pessoa comum que por acaso descobre algo oculto. Aqui o personagem é um cientista e tudo é apresentado de uma forma um bocado sólida, inclusive adicionando certos aspectos da medicina, como a glândula pineal e sua função.
O narrador dessa história não revela o seu nome, apenas fala sobre a sua relação com um cientista chamado Crawford Tillinghast, e que diz ter inventado uma máquina capaz de despertar sentidos que não são naturais para humanos, fazendo assim com que uma nova realidade seja apresentada e a pessoa tenha contato com o que antes não poderia ter.
Um detalhe interessante é que ao contrário de outros personagens de Lovecraft, nesse conto ele mostra alguém capaz de ver e compreender as coisas que são citadas no conto "O inominável", já que trata-se de uma experiência que modifica o corpo humano. Enfim, confiram:
Do além
Horrível, para além de qualquer
concepção, foi a mudança por que passou meu melhor amigo,
Crawford Tillinghast. Eu não o vira desde aquele dia, dois meses e
meio antes, quando ele me falou da meta em direção à qual
suas
pesquisas físicas e metafísicas se encaminhavam e quando
respondeu à
minha demonstração de espanto e medo expulsando-me de seu
laboratório e de sua casa num estouro de raiva fanática. Eu
sabia
que ele agora passava a maior parte do tempo fechado em seu
laboratório no sótão com aquela maldita máquina elétrica,
comendo
pouco e afastado até dos próprios criados, mas não pensara
que um
período tão breve de dez semanas pusesse alterar e
desfigurar de tal
maneira uma criatura humana. Não há prazer em ver um homem
garboso
tornar-se magro de repente, e é pior ainda quando a pele
flácida
começa a amarelar ou a acinzentar, os olhos fundos,
esgazeados,
brilhando de modo sobrenatural, a testa enrugada e coberta
de veias,
e as mãos trêmulas e contorcidas. E se, adicionado a isso,
houver um
desalinho repulsivo, uma desordem louca do vestir, moitas de
cabelos
escuros esbranquiçados na raiz, e uma sombra de barba não
aparada
sobre um queixo que sempre fora cuidadosamente barbeado, o
efeito
cumulativo será chocante. Mas esse era o aspecto de Crawford
Tillinghast na noite em que sua mensagem pouco coerente me
trouxe
até sua porta depois de semanas de exílio. Tal era o
espectro que
tremia enquanto me fazia entrar, uma vela na mão, a olhar
furtivamente
por sobre o ombro, como se receoso de coisas invisíveis na
casa
antiga e solitária, situada ao fundo da Benevolent Street.
Para Crawford Tillinghast, ter um dia
estudado ciência ou filosofia fora um erro. São coisas que deveriam
ser deixadas para o investigador impessoal e frio, pois oferecem
duas alternativas igualmente trágicas ao homem de sentimento e ação:
desespero, se fracassa em sua busca, e terrores indizíveis e
inimagináveis, se obtém sucesso. Tillinghast fora presa uma vez do
fracasso, da reclusão e da melancolia; mas agora eu sabia, entre
receios repelentes de minha parte, que ele era presa do sucesso. De
fato, eu o tinha alertado, duas semanas antes, quando aventou, num
ímpeto, a história do que estava prestes a descobrir. Tornara-se
vermelho e excitado, falando num tom de voz muito alto e
antinatural, embora sempre pedante.
“O que sabemos”, ele dissera, “sobre o
mundo e o universo ao nosso redor? Nossos meios de receber
impressões são absurdamente escassos, e nossas noções dos objetos
que nos cercam são infinitamente estreitas. Vemos as coisas somente
na medida em que somos construídos para vê-las e não podemos fazer
idéia alguma de sua natureza absoluta. Com cinco débeis sentidos,
queremos compreender o cosmos ilimitadamente complexo, enquanto
outros seres, com uma gama de sentidos diferente, mais ampla ou mais
possante, não apenas poderiam ver de modo diferente as coisas que
vemos, como também ver e estudar mundos inteiros de matéria, energia
e vida que jazem próximos de nós, mas que não podem ser detectados
com os sentidos que temos. Sempre acreditei que tais mundos
estranhos e inacessíveis existem colados aos nossos cotovelos, e
agora creio que encontrei um modo de romper as barreiras. Não
estou blefando. Dentro de vinte e quatro horas aquela máquina sobre
a mesa gerará ondas que agirão sobre órgãos ignorados de sentidos
que existem em nós como vestígios atrofiados ou rudimentares. Essas
ondas abrirão para nós inúmeros panoramas desconhecidos do homem e
muitos desconhecidos de qualquer coisa que consideramos como vida
orgânica. Haveremos de ver aquilo para o qual os cachorros uivam na
escuridão, aquilo para o qual os gatos levantam suas orelhas após a
meia-noite. Veremos essas coisas e outras coisas que nenhuma
criatura que respira jamais viu. Vamos saltar sobre o tempo, o
espaço e as dimensões e, sem mover nossos corpos, espiar o fundo da
criação.”
Quando Tillinghast disse essas coisas,
não disfarcei, pois conhecia-o bem o suficiente para ter muito mais
receio do que admiração; mas ele era um fanático e expulsou-me da
casa. Agora ele não era menos fanático, mas seu desejo de falar
sobrepujara o ressentimento, e ele me escrevera num tom imperativo,
com uma caligrafia quase ilegível. Quando penetrei na casa desse
amigo tão subitamente metamorfoseado numa gárgula vacilante,
infectou-me o terror que parecia espreitar em meio a todas as
sombras. Era como se as palavras e crenças expressas dez semanas antes
se encarnassem na escuridão que cercava o pequeno círculo de luz da
vela, e senti-me mal diante da voz oca e alterada de meu anfitrião.
Desejei que os criados estivessem por perto e não gostei quando ele
disse que todos tinham deixado a casa havia três dias. Pereceu
estranho que o velho Gregory, ao menos, pudesse desertar de seu senhor
sem dizer isso a um amigo tão próximo como eu. Era ele que me dava
toda a informação que tive sobre Tillinghast depois que, furioso,
este me expulsou.
No entanto, logo obriguei meus medos a
se subordinarem à minha curiosidade e fascinação. O que é que
Crawford Tillinghast queria de mim agora eu podia até conjeturar,
mas de que ele tinha algum segredo ou descoberta estupenda para
revelar, disso eu não duvidava. Antes eu protestara contra sua
perquirição indiscreta do impensável, e agora que ele evidentemente
tivera algum tipo de sucesso eu quase compartilhava seu espírito,
por mais terrível que pudesse ser o custo da vitória. Seguindo a luz
vacilante da vela que a mão daquela paródia trêmula de homem
segurava, subi em direção à escuridão vazia da casa. A eletricidade
parecia ter sido desligada, e quando perguntei ao meu guia ele disse
que era por um motivo definido.
“Seria demais… Eu não ousaria”, ele
continuava a murmurar. Notei em especial esse seu novo hábito de
murmurar, pois não era do seu feitio falar sozinho. Entramos no
laboratório no sótão, e observei aquela detestável máquina elétrica
a cintilar com uma luminosidade doentia, sinistra, violeta. Estava
conectada a uma potente bateria química, mas não parecia receber
corrente, pois eu me lembrava de que em seu estágio experimental ela
tinha roncado e ciciado quando posta em ação. Em resposta à minha
pergunta, Tillinghast sussurrou que esse brilho permanente não era
elétrico em nenhum sentido que eu pudesse entender.
Ele me fez sentar próximo à máquina, de
modo que ela ficou à minha direita, e acionou um comutador que
ficava por baixo de uma profusão de bulbos de vidro. Os estralejos
usuais começaram, tornaram-se um gemido, e terminaram num rumor
monótono e tão suave que dava impressão de retornarem ao silêncio.
Entrementes a luminosidade aumentou, diminuiu, até assumir uma
tonalidade pálida e inusitada ou uma mistura de cores que eu não
poderia situar ou descrever. Tillinghast tinha estado a me observar,
notando minha expressão de perplexidade.
“Sabe o que é isso?”, murmurou, “Isso
é ultravioleta”. E gargalhou ao ver a minha surpresa. “Pensou
que o ultravioleta era invisível, e é – mas você pode vê-lo e a
muitas outras coisas agora. Ouça-me! As ondas dessa coisa
estão despertando em você mil sentidos adormecidos – sentidos que
você herdou de éons de evolução, desde o estado dos elétrons
errantes até o estado da humanidade orgânica. Eu vi a verdade,
e pretendo mostrá-la a você. Faz idéia de como ela se parece? Vou
dizê-lo a você.” Aqui, Tillinghast se sentou também, de frente para
mim, segurando sua vela e olhando-me perversamente nos olhos. “Seus
órgãos sensórios existentes – ouvidos primeiro, suponho – captarão
muitas das impressões, pois estão intimamente conectados com os
órgãos adormecidos. Então haverá outros. Já ouviu
falar da glândula pineal? Rio-me dos ingênuos
endocrinologistas, pretensiosos e comparsas iludidos dos freudianos.
Essa glândula é o órgão sensório por excelência – eu o descobri.
É como uma visão, afinal, e transmite imagens visuais ao cérebro. Se
você é normal, esse será o modo como você obterá a maior parte...
Refiro-me à maior parte da evidência do além.”
Olhei em volta o imenso sótão com a
parede alta ao sul, obscuramente iluminada por raios que os olhos
cotidianos não poderiam ver. Os cantos mais distantes eram pura sombra,
e o lugar inteiro mergulhava numa irrealidade nevoenta que
obscurecia sua natureza e convidava a imaginação ao simbolismo e à
fantasmagoria. Durante o longo intervalo em que Tillingthast
permaneceu em silêncio, tive um devaneio de estar num incrível e
vasto templo de deuses há muito desaparecidos, num edifício vago de
inúmeras colunas de pedra negra que se elevavam de um piso de lajes
úmidas até alturas de nuvens que ficavam para além da minha visão. A
imagem me pareceu bastante vívida por algum tempo, mas gradualmente
deu lugar a uma concepção mais horrível – aquela da solidão extrema
e absoluta do espaço infinito, inescrutável e silencioso. Parecia
haver um vazio e nada mais, e senti um medo infantil que me fez
sacar do bolso junto ao peito um revólver que passei a carregar
desde que fora assaltado em East Providence. Então, das mais
distantes regiões do remoto, o som deslizou suavemente para
dentro da existência. Era infinitamente débil, sutilmente vibrante,
e inequivocamente musical, mas continha um não sei quê de
indizivelmente selvagem que fazia com que o seu impacto parecesse
uma tortura delicada de todo o meu corpo. Vieram-me sensações que
eram como se alguém pisasse vidro moído no chão. Simultaneamente,
desenvolveu-se alguma coisa como um sopro frio, que aparentemente
passava por mim vindo do som distante. Enquanto, sem fôlego,
aguardava, percebi que tanto o som quanto o vento estavam
aumentando, o efeito assemelhando-se ao de ter sido atado a um par
de trilhos no caminho de uma gigantesca locomotiva que se
aproximasse. Comecei a falar a Tillinghast e, quando o fiz, todas as
impressões incomuns se desvaneceram abruptamente. Vi apenas o homem,
as máquinas cintilantes e o cômodo penumbroso. Tillinghast ria de um
jeito repulsivo para o revólver que eu sacara quase
inconscientemente, mas pela sua impressão compreendi que ele tinha
visto e ouvido tanto quanto eu, se não muito mais. Murmurei o que eu
tinha experimentado, e ele me instruiu para que permanecesse o mais
quieto e receptivo possível.
“Não se mova”, advertiu, “pois nesses
raios tanto podemos ver quanto ser vistos. Eu lhe disse que
os servos foram embora, mas não lhe disse como. Foi aquela
governanta de cabeça dura; ela acendeu as luzes no térreo depois que
eu avisei para não fazer isso, e os arames captaram vibrações
empáticas. Deve ter sido amedrontador – pude ouvir os gritos daqui
de cima, a despeito de tudo o que via e ouvia vindo de outra
direção, e mais tarde foi pavoroso encontrar aqueles montes vazios
de roupas por toda a casa. As roupas da senhora Updike estavam
próximas do comutador de luz da sala – eis como eu soube que ela o
fizera. Pegou-os a todos. Mas, desde que não nos movamos, estamos
razoavelmente seguros. Lembre-se de que estamos lidando com um mundo
medonho no qual somos praticamente indefesos... Fique quieto!”
O choque combinado da revelação e da
intimação abrupta deu-me um tipo de paralisia, e no terror minha
mente se abriu de novo para as impressões que vinham do que
Tillinghast chamou de “além”. Um vórtice de som e movimento
me envolvia agora, imagens confusas surgindo diante de meus olhos.
Eu via os contornos imprecisos do cômodo, mas de algum ponto do
espaço parecia jorrar uma coluna fervilhante de formas
irreconhecíveis ou de nuvens, penetrando no teto sólido num ponto
adiante, à minha direita. Então vislumbrei o templo – como efeito
novamente, mas desta vez os pilares subiam em direção a um oceano
aéreo de luz, o qual despejava um raio de luz ofuscante por todo o
caminho da coluna de nuvens que eu vira antes. Depois disso, a cena
tornou-se quase inteiramente caleidoscópica, e na profusão de
visões, sons e impressões sensoriais não identificadas, senti que
estava prestes a me dissolver ou, de algum modo, a perder a forma
sólida. De um determinado lance eu hei de me lembrar para sempre.
Pareceu-me ter visto, por um instante, uma nesga de estranho céu
noturno repleto de esferas cintilantes e rodopiantes, e quando
desapareceu vi que os sóis brilhantes formavam uma constelação ou
galáxia de forma definida, sendo essa forma o rosto distorcido de
Crawford Tillinghast. Noutra ocasião, senti que as coisas imensas e
animadas se arrastavam para além de mim e às vezes caminhavam ou
vogavam através do meu corpo supostamente sólido, e pensei ter
visto Tillinghast olhar para elas como se seus sentidos mais bem
treinados pudessem captá-las visualmente. Lembrei-me do que ele
dissera acerca da glândula pineal e me perguntei o que ele via com
esse olho sobrenatural.
De súbito, senti-me também possuído por
uma espécie de visão aumentada. Por cima e ao longo do caos luminoso
e sombrio se elevava uma imagem que, embora vaga, continha elementos
de consistência e permanência. Era de fato algo familiar, pois a
parte incomum estava superposta à cena comum e terrestre, tal como
uma imagem de cinema se pode projetar sobre a cortina pintada de um
teatro. Vi o laboratório do sótão, a máquina elétrica e a forma
indistinta de Tillinghast em frente a mim, mas de todo o espaço não
ocupado por objetos familiares sequer a menor porção estava vaga.
Formas indescritíveis, vivas ou não, se misturavam numa desordem
repulsiva, e perto de cada coisa conhecida havia mundos inteiros de
entidades alienígenas e ignotas. Igualmente, parecia que todas as
coisas conhecidas entravam na composição de outras coisas
desconhecidas e vice-versa. Mais à frente, entre os objetos vivos,
havia monstruosidades pretas, semelhantes a medusas, que
estremeciam languidamente com as vibrações da máquina.
Manifestavam-se numa profusão nauseante, e eu vi, para o meu horror,
que se imbricavam, que eram semifluidas e capazes de passar através
umas das outras e daquilo que conhecemos como sólidos. Essas coisas
jamais paravam; antes: pareciam flutuar sempre com algum propósito
maligno. Às vezes, davam mostras de devorar-se umas às outras, o
atacante lançando-se sobre sua vítima e instantaneamente fazendo-a
desaparecer de vista. Trêmulo, entendi o que tinha feito desaparecer
os infelizes criados, e não podia expulsar a coisa de minha mente
enquanto lutava para observar outras propriedades do mundo, há pouco
tornado visível, que existe incógnito à nossa volta. Mas Tillinghast
tinha estado a me observar e agora falava.
“Você as vê? Você as vê? Vê as coisas
que flutuam e se precipitam à sua volta a cada momento de sua vida?
Vê as criaturas que formam o que os homens chamam de ar puro e de
céu azul? Não tive sucesso em romper a barreira, não mostrei a você
mundos que os outros homens jamais chegaram a ver?” Ouvi seu grito
através do horrível caos e olhei para a face selvagem que tão
ofensivamente se colava à minha. Seus olhos eram poços de chamas e
me fitavam com aquilo que – logo entendi – era apenas o mais
profundo ódio. A máquina ronronava de maneira horrorosa.
“Pensa que essas coisas rastejantes
arrebataram os criados? Tolo, são inofensivas! Mas os criados
desapareceram, não é? Você tentou me impedir, você me desencorajou
quando precisei de cada gota de incentivo que pudesse obter. Você
teve medo da verdade cósmica, seu maldito covarde, mas agora eu o
peguei! O que foi que levou os criados? O que os fez berrar tão
alto?... Não sabe, hein? Logo, logo saberá. Olhe para mim – ouça o
que eu digo. Supõe você que existem mesmo tais coisas como tempo e
magnitude? Acredita mesmo que existem tais coisas como forma e
matéria? Eu lhe digo, você atingiu profundidades que o seu pequeno
cérebro não pode conceber. Vi para além das fronteiras do infinito e
arrastei demônios das estrelas... Conduzi as sombras que perambulam
de mundo para mundo para semear a morte e a loucura... O espaço me
pertence, está me ouvindo? As coisas estão à minha caça agora – as
coisas que devoram e dissolvem –, mas eu sei como ludibriá-las. É a
você que elas pegarão, como fizeram com os criados... Está tremendo,
caro senhor? Eu lhe disse que era perigoso mover-se, coloquei-o a
salvo dizendo que se mantivesse quieto – salvei-o para ter mais
visões e para me ouvir. Se você tivesse se movido, eles já teriam se
atirado sobre você há muito tempo. Não se preocupe, não vão
machucá-lo. Não machucaram os criados – foi apenas ver
que os fez berrar daquele jeito. Meus bichinhos não são bonitos,
pois vêm de lugares onde os padrões estéticos são... muito
diferentes. Eu quase os vi, mas soube como parar. Você é
curioso? Sempre soube que você não era um cientista. Tremendo, hein?
Tremendo de ansiedade para ver as últimas coisas que descobri. Por
que não se move, então? Cansado? Bem, não se preocupe, amigo,
pois elas estão vindo… Olhe, olhe, amaldiçoado, olhe… Está bem
em cima do seu ombro esquerdo.”
O que falta contar é bem pouco, e vocês
talvez já tenham sabido por meio dos jornais. A polícia ouviu um
tiro na velha casa de Tillinghast e nos encontrou lá – Tillinghast
morto, e eu, inconsciente. Prenderam-me, porque o revólver estava em
minha mão, mas soltaram-me dentro de três horas, pois descobriram
que foi a apoplexia que acabou com Tillinghast e viram que meu tiro
tinha sido disparado contra a máquina perversa que agora jaz
irremediavelmente destroçada no chão do laboratório. Não contei
muito do que vi, pois temi que o investigador ficasse cético, mas, pela
descrição evasiva que dei, o médico me disse que, sem dúvida, eu
tinha sido hipnotizado pelo louco vingativo e homicida.
Quem dera eu pudesse acreditar no
médico. Seria bom para os meus nervos se eu pudesse pôr de lado o
que agora tenho de pensar sobre o ar e o céu que me envolvem e que
estão acima de mim. Nunca me sinto sozinho e confortável, e um senso
horrível e arrepiante de perseguição às vezes me invade quando
esmoreço. O que me impede de acreditar no médico é apenas este fato:
que a polícia nunca encontrou os corpos dos criados que, segundo
dizem, Crawford Tillinghast assassinou.
H.P Lovecraft
(Tradução
de Renato Suttana, confiram o site do cara clicando aqui)
3 Comentários
o sky ta viciado no h.p. lovecraft kk n posta otra coisa kkk
ResponderExcluirTa na onda do Lovecraft né! Hahaha!
ResponderExcluirLegal, o blog é seu e você posta o que quiser, e Lovecraft é legal. Falando nisso, já viu aqueles jogos cooperativos de tabuleiro baseados na mitologia de Lovecraft? O último que saiu é "Eldritch Horror" e parece que esse ano vai sair uma versão brasileira dele pela Galápagos Jogos. Vale a pena assistir o Jack Explicador jogando este jogo, eu vou comprar com certeza, sou viciado em boardgame cooperativo. Abraços.
Sim, eu vi, simplesmente maravilhoso! Espero poder jogar ainda! *-*
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