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O Depoimento de Randolph Carter - Um conto intrigante!

O mundo é grande demais, o universo então é inimaginável o tamanho. Sendo assim acaba sendo simplesmente impossível morrermos sem levarmos junto um verdadeiro mar de ignorância, afinal de contas a quantidade de coisas que acontecem e aconteceram é enorme e continuam ocorrendo o tempo todo, não dá pra se saber de tudo.

Naturalmente a curiosidade é algo que faz parte da humanidade, claro, não é algo exclusivo de nossa raça, afinal a curiosidade matou o gato, não é mesmo? Hahaha, mas em nosso caso, a falta de respostas é algo que pode frustrar bastante uma pessoa. Sendo assim autores como H.P Lovecraft, autor de "O Depoimento de Randolph Carter" pode deixar muita gente nervosa, pois ele era viciado em criar histórias como A tumba e Dagon, onde uma curiosidade imensa fica. Porém para os admiradores, a coisa pode acabar sendo intensa, pois transmite exatamente a limitação de conhecimento humano em relação ao universo. Nós simplesmente não podemos fazer tudo, e esse é um conto onde vemos claramente isso.

A história apresenta um homem chamado Randolph Carter, dando um depoimento à polícia sobre o desaparecimento de seu melhor amigo, Harley Warren, por ter sido o último visto com o homem. Onde ele demonstra que já explicou várias vezes, porém o que ocorreu foi simplesmente incompreensível da parte dele, e não há como não ligar aquilo ao sobrenatural, porém o que exatamente aconteceu, ele não tem a mínima ideia. O absurdo da macabra história faz com que realmente pareça infundada.

Esse conto, assim como muitos outros foi baseado em um sonho do próprio Lovecraft, onde ele apenas adaptou algumas coisas para que a história ficasse suave o bastante para ser lida e entendida, além de adicionar a polícia para que ficasse mais interessante e um pouco variada, o que acabou por dar um diferencial mesmo, já que anteriormente ele já tinha apresentado outros depoimentos de seus personagens, mas esses escreviam, ou falavam com o leitor.

Uma coisa que adorei nesse conto, é o quanto lembra aquelas histórias de assombração que o povo conta, "Ah, eu vi tal coisa", porém existe um certo toque mais realista, com policiais investigando o assunto e a coisa sendo bastante séria, ficando assim um toque todo especial que acaba tornando essa história marcante. Se você se interessar, confira:


O Depoimento de Randolph Carter

MAIS UMA VEZ AFIRMO: não sei o que é de Harley Warren, embora acredite — quase espere — que ele se encontre em oblívio pacífico, se é que existe em algum lugar coisa tão bem-aventurada. É verdade que fui por cinco anos seu amigo mais íntimo, e que partilhei em parte de suas terríveis inves­ti­ga­ções no des­co­nhe­cido. Não negarei, embora minha lembrança seja incerta e indis­tinta, que essa sua tes­te­mu­nha nos tenha visto juntos como diz, na estrada de Gains­ville, cami­nhando na direção do pântano do Cipreste Grande, às onze e meia daquela noite horrenda. Que levávamos lanternas elétricas, pás e um curioso rolo de fio ao qual estavam ligados certos ins­tru­men­tos, chegarei mesmo a afirmar, pois todas essas coisas tomaram parte na única e hedionda cena que permanece gravada a fogo em minha memória abalada. Mas do que se seguiu, e da razão pela qual fui encon­trado sozinho e confuso na orla do pântano na manhã seguinte, devo insistir que nada sei além do que já lhes relatei vez após outra. Afirmam vocês que nada existe no pântano ou perto dele que possa compor o cenário daquele episódio sinistro. Respondo que nada sei além do que vi. Visão ou pesadelo pode ter sido — e visão ou pesadelo espero arden­te­mente que tenha sido, — porém é tudo que minha mente retém do que tomou lugar naquelas horas chocantes depois que aban­do­na­mos a vista dos homens. E por que Harley Warren não retornou, apenas ele ou o seu espectro — ou alguma coisa ino­mi­ná­vel que não posso descrever — podem dizer.

Como já disse antes, os insólitos estudos de Harley Warren eram bem conhe­ci­dos e, até certo ponto, com­par­ti­lha­dos por mim. De sua vasta coleção de livros estranhos e raros sobre assuntos inter­di­tos, li todos os escritos nos idiomas que domino; mas esses são poucos quando com­pa­ra­dos com aqueles em idiomas que não com­pre­endo. A maioria era, creio, em árabe; e aquele volume de ins­pi­ra­ção diabólica que provocou o fim — o livro que ele carregava em seu bolso quando partiu deste mundo — estava escrito em carac­te­res que nunca vi em qualquer outro lugar. Warren nunca me disse exa­ta­mente o que havia naquele livro. Quanto à natureza de nossos estudos — será preciso dizer que não retenho mais deles com­pre­en­são completa? Parece-me mise­ri­cor­di­oso que seja assim, pois eram estudos terríveis, que eu perseguia mais por relutante fascínio do que por incli­na­ção ver­da­deira. Warren sempre me dominou, e algumas vezes eu o temia. Lembro como tremi diante de sua expressão facial na noite anterior ao horrível acon­te­ci­mento, enquanto ele falava inces­san­te­mente sobre a sua teoria: por que certos cadáveres nunca se decompõem, mas per­ma­ne­cem firmes e intactos em suas tumbas por mil anos. Mas eu não o temo agora, pois suspeito que ele tenha conhecido horrores além do meu alcance. Agora temo por ele.

Afirmo mais uma vez que não tenho nenhuma idéia clara do nosso objetivo naquela noite. Por certo tinha muita relação com o livro que Warren carregava consigo — aquilo livro antiqüís­simo em carac­te­res inde­ci­frá­veis que havia chegado para ele da Índia um mês antes, — mas juro que não sei o que espe­rá­va­mos encontrar. A sua tes­te­mu­nha diz que nos viu onze e meia na estrada de Gains­vi­lee, rumando ao pântano do Cipreste Grande. Isso é pro­va­vel­mente verdade, embora eu não tenho recor­da­ção distinta disso. A imagem cau­te­ri­zada na minha alma é de uma cena apenas, e deve ter sido bem depois da meia-noite, pois o arco da lua minguante estava alto no céu vaporoso.

O lugar era um cemitério antiqüís­simo; tão antigo que estremeci diante dos inúmeros sinais de tempos ime­mo­ri­ais. Era uma depressão profunda e úmida, coberta de mato alto, musgo e curiosas tre­pa­dei­ras daninhas, e permeada de um vago fedor que minha ima­gi­na­ção ociosa associou, absur­da­mente, a pedra apo­dre­cida. Em cada direção havia sinais de abandono e decre­pi­tude, e eu parecia assom­brado pela noção de que Warren e eu éramos as primeiras criaturas vivas a invadir um silêncio letal de séculos. Sobre a orla do vale um arco pálido de lua espiava através dos fétidos vapores que pareciam emanar de não-vistas cata­cum­bas, e com a ajuda de seus raios débeis e hesi­tan­tes pude dis­tin­guir uma repelente formação de antigas lajes, urnas, ceno­tá­fios e fachadas de mausoléus: todos esbo­ro­an­tes, cobertos de musgo e manchados de umidade, e par­ci­al­mente ocultos pela repulsiva exu­be­rân­cia de vegetação insalubre.

Minha primeira impressão vívida da minha própria presença nessa terrível necrópole diz respeito ao ato de parar com Warren diante de um sepulcro semi-obliterado e de depositar no chão certos fardos que pare­cía­mos estar car­re­gando. Eu agora observava que trazia comigo uma lanterna elétrica e duas pás, enquanto meu amigo estava suprido de uma lanterna similar e de uma unidade telefô­nica portátil. Nenhuma palavra foi pro­nun­ci­ada, pois o local e a tarefa nos pareciam conhe­ci­dos; e sem demora empu­nha­mos nossas pás e começamos e limpar a grama, as ervas daninhas e e a terra solta de sobre o arcaica sepultura. Depois de descobrir por completo a super­fí­cie, que consistia de três imensas lajes de granito, recuamos a alguma distância para escru­ti­nar aquela cena macabra, enquanto Warren parecia fazer alguns cálculos mentais. Ele voltou em seguida ao sepulcro e, usando sua pá como alavanca, tentou levantar à força a laje que jazia mais próxima a certa ruína de pedra que podia ter sido, em seu próprio tempo, um monumento. Quando não conseguiu, fez sinal que eu viesse ajudá-lo. Final­mente, nossa força combinada desalojou a pedra, que erguemos e deixamos de lado.

A remoção da laje revelou uma abertura negra, da qual precipitou-se uma efluência de gases mias­má­ti­cos tão nauseante que recuamos em horror. Depois de um intervalo, no entanto, aproximamo-nos novamente da cova, e achamos a exalação menos into­le­rá­vel. Nossas lanternas revelaram o topo de uma escadaria de pedra, da qual gotejava alguma detes­tá­vel exsudação licorosa do coração da terra e era ladeada por muros ume­de­ci­dos incrus­tra­dos de nitrato. E agora pela primeira vez minha memória registra discurso verbal, Warren dirigindo-se lon­ga­mente a mim em sua voz melodiosa de tenor; uma voz nota­vel­mente não afetada pelo ambiente medonho que nos cercava.

– Sinto ter de pedir que você fique na super­fí­cie — ele disse, — mas seria um crime permitir que qualquer pessoa de nervos frágeis descesse ali. Você não tem como imaginar, nem mesmo pelo que leu e pelo que eu lhe falei, as coisas que terei de ver e fazer. É uma tarefa horrenda, Carter, e duvido que qualquer homem sem uma sen­si­bi­li­dade de ferro poderia desincumbir-se dela e sair vivo e são. Meu desejo não é ofendê-lo, e os céus sabem a satis­fa­ção que seria tê-lo comigo; mas a res­pon­sa­bi­li­dade é num certo sentido minha, e eu não poderia arrastar um feixe de nervos como você rumo à provável morte ou loucura. Eu lhe digo, você não tem como imaginar como a coisa realmente é! Mas eu prometo mantê-lo informado pelo telefone de cada movimento: você vê que tenho fio sufi­ci­ente para chegar até o centro da terra e voltar!

Ainda posso ouvir, na lembrança, essas palavras faladas com sere­ni­dade; e posso ainda recordar meus protestos. Eu parecia deses­pe­ra­da­mente ansioso por acom­pa­nhar meu amigo para dentro daquelas pro­fun­de­zas sepul­crais, porém ele provou-se infle­xi­vel­mente obstinado. Em deter­mi­nado momento ele ameaçou abandonar a expedição se eu con­ti­nu­asse insis­tindo, ameaça que mostrou-se efetiva, visto que apenas ele possuía a chave da coisa. Tudo isso posso ainda recordar, embora não mais conheça a natureza da coisa que bus­cá­va­mos. Depois de obter minha relutante aqui­es­cên­cia com seu propósito, Warren pegou o rolo do fio e ajustou os ins­tru­men­tos. A um aceno seu eu peguei um desses últimos e sentei-me sobre uma lápide decrépita e des­co­lo­rida junto da abertura recém aberta. Ele então apertou-me a mão, alçou o rolo de fio sobre os ombros e desa­pa­re­ceu dentro daquele indes­cri­tí­vel ossuário.

Por um minuto acom­pa­nhei o brilho da sua lanterna e ouvi o rumorejar do fio enquanto ele o depo­si­tava atrás de si; mas o brilho logo desa­pa­re­ceu abrup­ta­mente, como se uma curva na escadaria de pedra tivesse sido alcançada, e o som morreu com quase a mesma rapidez. Eu estava sozinho, porém ao mesmo tempo ligado a pro­fun­de­zas des­co­nhe­ci­das pelos fila­men­tos mágicos cuja super­fí­cie encapada jazia verde sob os mori­bun­dos raios daquele arco de lua minguante.

Eu con­sul­tava inces­san­te­mente o relógio na luz da minha lanterna elétrica, e aus­cul­tava com ardente ansiedade o receptor do telefone; mas por mais de um quarto de hora nada ouvi. Então o ins­tru­men­teo produziu um estalo débil, e chamei meu amigo em voz tensa. Apre­en­sivo como me encon­trava, eu não estava de modo algum preparado para as palavras que subiram daquela catacumba sinistra em inflexões mais alarmadas e agitadas do que qualquer uma que já tivesse ouvido de Harley Warren. Ele, que havia me deixado tão cal­ma­mente há poucos momentos, chamava agora das pro­fun­de­zas num sussurro alterado mais agourento do que o grito mais agudo:

– Deus! Se você pudesse ver o que estou vendo!

Não consegui responder. Sem fala, só conseguia esperar. Vieram em seguida as inflexões fre­né­ti­cas novamente:

– Carter, é terrível… mons­tru­oso… inacreditável!

Desta vez a voz não me falhou, e despejei no trans­mis­sor uma enxurrada de perguntas exaltadas. Ater­ro­ri­zado, repetia continuadamente:

– Warren, o que é? O que é?

Mais uma vez veio a voz do meu amigo, ainda rouca de temor, e agora apa­ren­te­mente com um quê de desespero.

– Não posso contar, Carter! É incon­ce­bí­vel demais… não ouso lhe contar… nenhum homem poderia saber e viver… Santo Deus! Eu nunca sonhei com isso!

Silêncio novamente, exceto por minha agora inco­e­rente torrente de inqui­ri­ções tiri­tan­tes. Então a voz de Warren num timbre da mais selvagem consternação:

– Carter, pelo amor de Deus, coloque de volta a laje e saia disso enquanto pode! Rápido; largue todo o resto e corra para fora… é a sua única chance! Faça como estou dizendo, e não me peça para explicar!

Eu ouvi, porém era capaz apenas de repetir minhas perguntas fre­né­ti­cas. Ao redor de mim estavam as tumbas e a escuridão e as sombras; abaixo de mim, algum perigo além do alcance da ima­gi­na­ção humana. Mas meu amigo estava em perigo maior do que eu, e permeando meu temor senti um vago res­sen­ti­mento de que ele pudesse me con­si­de­rar capaz de desertá-lo em tais cir­cuns­tân­cias. Mais estalos, e depois de uma pausa um berro queixoso de Warren:

– Caia fora! Pelo amor de Deus, coloque a laje de volta e caia fora, Carter!

Algo na gíria infantil do meu com­pa­nheiro, tão cla­ra­mente alterado, despertou minhas facul­da­des. Formei e berrei uma resolução:

– Warren, agüente firme! Estou descendo!

Mas diante dessa oferta o tom do meu ouvinte desfigurou-se num grito de completo desespero:

– Não! Você não entende! É tarde demais; e por minha própria culpa. Coloque a laje de volta e corra; não há mais nada que você nem ninguém possam fazer!

A entonação mudou novamente, adqui­rindo desta vez uma qualidade mais serena, como que de deses­pe­ran­çada resig­na­ção. Ela porém per­ma­ne­cia tensa de pre­o­cu­pa­ção por mim.

– Rápido; antes que seja tarde!

Tentei não dar ouvidos a ele; tentei quebrar a paralisia que me prendia e cumprir meu voto de descer em seu auxílio. Mas seu sussurro seguinte encontrou-me ainda inerte nas cadeias do absoluto horror.

– Carter; apresse-se! Não adianta; você tem de ir; melhor um do que dois; a laje…

Uma pausa, mais estalos, então a voz débil de Warren:

– Quase terminado agora; não torne isso mais difícil; cubra esses degraus malditos e corra para salvar a pele; você está perdendo tempo; adeus, Carter; não vou vê-lo novamente.

Aqui o sussurro de Warren transformou-se num grito, grito que gra­du­al­mente elevou-se a berro carregado com o horror de todas as eras:

– Malditas coisas infernais! Legiões! Meu Deus! Caia fora! Caia fora! CAIA FORA!

E em seguida, silêncio. Des­co­nheço por quantos éons inter­mi­ná­veis permaneci sentado, estu­pe­fato; sus­sur­rando, bal­bu­ci­ando, chamando, berrando naquele telefone. Vez após outra ao longo desses éons eu sussurrei e balbuciei, chamei, gritei e berrei:

– Warren! Warren! Responda; você está aí?

E então me sobreveio a cul­mi­na­ção absoluta do horror — a coisa ina­cre­di­tá­vel, impen­sá­vel, quase imen­ci­o­ná­vel. Eu disse que éons pareciam ter passado desde que Warren berrara sua última adver­tên­cia deses­pe­rada, e que apenas meus próprios gritos quebravam o hediondo silêncio. Mas depois de um intervalo houve estalos adi­ci­o­nais no receptor, e con­cen­trei meus ouvidos para escutar. Chamei novamente:

– Warren, você está aí?

E em resposta ouvi a coisa que trouxe esta nuvem sobre minha mente. Não tentarei, cava­lhei­ros, explicar aquela coisa, aquela voz, nem me aven­tu­ra­rei a descrevê-la em detalhe, visto que as primeiras palavras me roubaram a cons­ci­ên­cia e criaram um vazio mental que estende-se até o momento em que acordei no hospital. Direi que a voz era profunda? Cava? Gela­ti­nosa? Remota? Espectral? Inumana? Desen­car­nada? Que direi? Foi o fim da minha expe­ri­ên­cia, e é o fim da minha história. Eu a ouvi e de nada mais sei; ouvi-a sentado, petri­fi­cado, naquele cemitério des­co­nhe­cido dentro daquela depressão, por entre pedras esbo­ro­an­tes e tumbas arrui­na­das, a vegetação insalubre e os vapores mias­má­ti­cos; ouvi-a subindo das pro­fun­de­zas mais inte­ri­o­res daquele maldito sepulcro aberto enquanto observava as sombras amorfas e necró­fa­gas dançarem debaixo daquela amal­di­ço­ada lua minguante.

E o que ela disse foi:

– Idiota, Warren está MORTO!

H,P. Lovecraft
(Tradução feita por Paulo Brabo, confiram o site dele clicando aqui.)

Uma coisa que eu achei interessante pra caramba e na hora fiquei até meio perdido, foi a unidade telefô­nica portátil, afinal era 1919 e eu nem imaginava que essa coisa existia. Como trata-se de um conto de um autor de ficção, imaginei que ele poderia estar falando algo futurista, mas aí quando começou a falar do fio imaginei que existisse mesmo, alguém aí sabe ou tem foto de um aparelho desse tipo?

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